Legislativas 2015

A cláusula escondida no programa da Coligação PAF e que ninguém leu

Fernando Tavares - 12-10-2015 16:23:12

Há quatro anos e qualquer coisa o PSD apresentou-se a eleições com um programa eleitoral que pelos vistos toda a gente leu; se não o leu antes leu-o depois ou ouviu relatado vezes sem conta pelos comentadores, consoante as conveniências. Não sei se todos os jornalistas o leram, mas sei que pelo menos crêem que sabem o que lá está escrito, porque acreditam nas opiniões veiculadas pelos comentadores, mais ou menos alinhados. Cada um ouve o que quer, mas há a certeza de que as linhas mestras não foram cumpridas. Para não insultar ninguém, direi que as linhas mestras não foram cumpridas, revelaram-se inverdades, é assim que se diz não é?

Passaram os anos de uma governação em maioria, suportados por uma co-coligação parlamentar entre o PSD e o CDS-PP, convém não esquecer que o parceiro menos votado em 2011 é a fusão de duas vontades. Ou alguém se esqueceu do tempo em que o PP bicéfalo de Manuel Monteiro e Paulo Portas tinha muitas dúvidas sobre a Europa, em que o CDS tinha desaparecido e em que a Juventude Centrista se passou a chamar Gerações Populares?

Bom, mas vamos à História recente. Foram anos muito complicados, com uma grande resignação inicial e capacidade de reconhecer que se calhar não haveria outro caminho. Pelo menos era esse o sentimento geral, ou que se sentia através dos Órgãos de Informação, poderemos também questionar agora se seria mesmo assim e se também nesse tempo não haveria uma grande diferença entre a Opinião Pública e a opinião publicada. Nunca o saberemos. Mas há um momento, a que poderemos chamar o momento zero, e o seu deve ser entregue a seu dono.

Em Setembro de 2012, o Primeiro-ministro apresenta-se ao país em comunicação solene, no intervalo de um jogo de futebol da Selecção Nacional na fase de apuramento para Brasil 2014, e anuncia a descida da TSU para as empresas e o aumento da TSU para os empregados. Uma transferência directa, baixando os salários e até aumentado ligeiramente o orçamento da Segurança Social, já que seria 18% + 18%, em lugar de 11% + 23.75%.

O CDS-PP põe os pés à parede, no fim-de-semana seguinte centenas de milhares de pessoas saem à rua em todo o país, em todo o país; o CDS-PP está reunido no Porto, mas ninguém vai para a porta do Hotel Porto Palácio, só a polícia, o Governo fica por um fio e Passos recua. A partir daí nada fica como antes, meses depois o Ministro das Finanças demite-se, reconhecendo em carta que o seu modelo falhou, o CDS-PP ganha força no Governo, pouco muda, mas nunca saberemos o que teria acontecido se os portugueses não tivessem saído à rua e se o CDS-PP não tivesse recusado a medida. Os episódios irrevogáveis só vinculam os seus protagonistas, na verdade são pormenores, o tempo demonstrou isso mesmo. Para os portugueses foi igual.

Os Governos com maioria parlamentar têm a grande vantagem da estabilidade, argumenta-se, mas aumentam, como se percebe, até pela designação maioria absoluta, a propensão para se ignorar o diálogo. Decide-se, não se olha a razões, porque não se precisa, não ouve e, mesmo concordando com o princípio de que só não erra quem não decide, também não é menos verdade que há possibilidade de mais erros quando se ouvem menos opiniões contrárias. Muitos Ministros resistiram, bem hajam, outros não puderam, outros saíram, outros ainda acharam que era o caminho certo.

Os portugueses fizeram um julgamento no dia 4 de Outubro, o resultado foi o que se viu, surgem os fantasmas, relançam-se discussões ideológicas, depois de se ter andado anos a dizer que as ideologias tinham morrido. Os mesmos que agora diabolizam o BE e o PCP, porque estão surpreendidos com o novo cenário (sim, surpresa, uma surpresa que me abrange a mim também), esses, apanhados de surpresa já não sabem o que fazer perante um cenário que ganha cada vez mais forma. A possibilidade remota e teórica passou a hipótese real.

Espanta-me que os democratas estejam calados, que não defendam a democracia, que mal vem ao mundo? Os gregos foram obrigados a um terceiro resgate? Sim, mas a Europa ouviu. Foram arrogantes? Sim, mas a Europa teve que recuar também e podem crer que no fim não será como parece. Os radicais do Syriza, essa praga, na opinião de muitos, desapareceu, e Tsipras já é chamado de colega por Passos Coelho. A Grécia é a Grécia e nós somos Portugal.

Não adianta misturar realidades que as pessoas têm opinião e expressaram-na. Compete ao PSD procurar uma solução de Governo, não sou eu que o digo é o Presidente da República e eu concordo. Agora, a nós cidadãos compete-nos também perceber e equacionar todos os cenários, sem preconceitos; o país não vai, nem pode ficar sem Governo. O muro de Berlim já caiu. Os mesmos que agora acenam com fantasmas serão, porventura, pelo menos em parte, os mesmos que chamavam pretos aos africanos e agora correm atrás deles, convidando-os para almoços nos melhores restaurantes do Porto e de Lisboa.

A Co-coligação PSD/CDS-PP apresentou-se com um programa eleitoral sem compromissos concretos, apenas com princípios, como me dizia Virgílio Macedo, Presidente da Distrital do PSD/Porto e Deputado eleito, num debate; olhando a que estamos no campo dos princípios e não do concreto só posso concluir que há uma cláusula secreta nesse programa – o PS, caso perca as eleições, fica obrigado a viabilizar um Governo da PAF!

 

Fernando Tavares

Jornalista

twitter facebook Google plus imprimir

+ notícias: Legislativas

PaF elege três deputados e PS um na votação no estrangeiro

A coligação Portugal à Frente (PSD/CDS) conquistou hoje três dos quatro mandatos pelos círculos da Europa e fora da Europa nas eleições legislativas de quatro de outubro, enquanto o PS elegeu o restante.

Coligação PàF e PS partilham deputados na Europa

A coligação Portugal à Frente (PàF) e o PS partilham os dois deputados atribuídos pelo círculo da Europa, mas a lista conjunta PSD/CDS foi a mais votada, alcançando o melhor resultado desde 1991.

Passos diz que coligação PSD/CDS-PP procurará entendimentos com o PS no parlamento

O presidente dos sociais-democratas afirmou no domingo que a coligação PSD/CDS-PP, sem maioria absoluta, procurará entendimentos com o PS no parlamento para fazer reformas como a da Segurança Social e irá ao encontro de todas as forças europeístas.