Moradores esperam há anos que as casas junto à ponte Luís I fiquem de cara lavada
João Nogueira com Ana Rita Gonçalves
A zona de Santa Clara, por baixo da Ponte Luís I, no Porto, é para muitos dos seus moradores, um espaço perdido no tempo. Os edifícios antigos, muitos deles devolutos, convivem com os avanços das últimas décadas, como a turistificação dos centros das grandes cidades. Mas esta semana, foi aprovado pela Câmara do Porto uma espécie de plano de pormenor para aquela área, prometendo revitalizar um dos bairros mais emblemáticos do centro da cidade.
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Durante anos, os prédios em Santa Clara caíram no esquecimento. Muitos fecharam portas e janelas e alguns nunca mais foram reabertos.
A reabilitação dos edifícios, embora necessária, chega tarde para quem ainda sente a falta de um Porto com vizinhos, famílias e crianças a brincar nas ruas.
Fernanda Pereira, que vive na zona há décadas, não esconde a nostalgia enquanto fala ao Porto Canal das mudanças futuras: “Já falavam há muitos anos. As pessoas que moravam cá já foram embora. Moram aqui à base de dez famílias. O resto é tudo hostels, casas por realojar. Está aqui um prédio já há mais de 40 anos fechado, que é da Santa Casa da Misericórdia.”
Para Fernanda, a zona perdeu a sua alma, algo inevitável, também pela força do turismo e de atividades económicas: “Antigamente aqui era porta sim, porta sim. Havia barulho todos os dias, tínhamos muita canalha. Agora não, é tudo estrangeiros. A gente não conhece ninguém. As únicas pessoas que eu conheço são aqui as do meu prédio. Somos umas cinco moradoras. E ali na viela mais duas e mais três aqui.”
Com a aprovação unânime desta medida, que irá permitir a reabilitação de edifícios junto à Ponte Luís I, a criação de um jardim e a implementação de um “ascensor” para ligar o Túnel da Ribeira a esta zona, há um visível entusiasmo misturado com cautela entre os moradores.

Foto: João Nogueira | Porto Canal
O projeto, que envolve uma área de 1,3 hectares e faz parte da reabilitação da Área de Reabilitação Urbana do Centro Histórico (delimitada desde 2012), visa preservar a identidade local enquanto busca atrair novos residentes e melhorar as condições de vida. No entanto, ao chegar ao local e ouvir os moradores, a realidade parece ser bem mais complexa.
Essa sensação de despersonalização é vivida por muitos dos residentes, que, com o tempo, assistiram à crescente entrada de turistas e de novos projetos de alojamento local.
No entanto, Fernanda ainda mantém uma esperança de que a reabilitação traga mais vida à sua rua. “Esperemos que a reabilitação traga mais vida, mais pessoas de volta, e que ajude a manter quem cá mora.” Esse foi um dos compromissos referidos pelo vereador do Urbanismo do município durante a reunião de executivo desta segunda-feira.
Cátia Ribeiro, que também vive naquela zona, recorda a vivacidade das ruas: “Quando eu era pequena, brincava na rua, estas casas estavam todas cheias de famílias, havia miúdos. Agora, há casas vazias ou hostels.”
Os prédios “são comprados, só que iniciam as obras e as obras ficam em ‘stand by’ “, explicou a moradora ao Porto Canal, desejando que o investimento municipal “seja também para trazer famílias para cá com valores de renda em conta.”
É um pedido que surge de forma constante entre os moradores. Em Santa Clara, as casas abandonadas parecem estar a aumentar à medida que os imóveis são comprados, mas não são reabilitados de imediato. Há até uma obra parada há anos que provocou um acidente envolvendo uma das moradoras, sendo aquela uma zona de difícil intervenção.
Fábio Pereira mora com a mãe na Rua da Senhora das Verdades e lamenta o abandono que a área sofreu nos últimos anos. “Ver esta zona aqui muito morta, sem ninguém, custa. Como podem ver, estas casas aqui já não levam obras desde que foram construídas quase.”
A reabilitação surge como uma “ótima notícia”, mas levanta dúvidas e questões sobre será desenvolvida uma intervenção nas ruas estreitas e quase “impossíveis” para estruturas grandes.
Margarida Oliveira, a mãe, não tem dúvidas sobre a necessidade de uma mudança urgente mas reitera: “Acham que já não mora aqui ninguém. E mora aqui gente”.
“Precisava de ter mais vida, porque isto está a ficar morto”, acrescentou. Para ela, as escadas rolantes ao invés de um elevador para ligar a zona à Ribeira podem ser um bom ponto de partida para melhorar a mobilidade e dar mais acessibilidade à área. “Nas escadas do Codeçal tudo bem, que colocassem uma paragem mais a meio, outra assim.”
O projeto de reabilitação aprovado pela Câmara do Porto visa devolver o brilho a uma zona histórica que tem sido deixada à margem do desenvolvimento. Segundo o vereador Pedro Baganha, o plano inclui não só a reabilitação dos edifícios, mas também a criação de novos espaços públicos, como um jardim e a construção de um ascensor que ligará a zona ao Túnel da Ribeira, tornando o bairro mais acessível.
