Miradouro da Vitória é público ou privado? Documento com 90 anos dita impasse em tribunal

Miradouro da Vitória é público ou privado? Documento com 90 anos dita impasse em tribunal
Foto: Pedro Benjamim | Porto Canal
| Porto
João Nogueira

É um dos sítios que mais desperta interesse no Porto, com centenas de visitas todos os dias. Vendido a privados em 2010, o Miradouro da Vitória está sob um impasse há quase dez anos, com um processo que decorre em tribunal que envolve a autarquia. Na base está uma apropriação fraudulenta que terá acontecido há quase 90 anos e que levou o município a alegar dominialidade pública. A sociedade detentora do miradouro diz-se lesada em milhões de euros.

 
 
 
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O terreno do Miradouro da Vitória tem uma longa história de transações e para entender todo o processo é preciso recuar até 1998, ano da primeira venda do miradouro. Até à data, o espaço pertencia a herdeiros, mas foi vendido à Fundação de Desenvolvimento do Centro Histórico do Porto, da qual o município fazia parte.

O espaço acabou por ser privatizado em 2010, parte de um processo de liquidação da fundação que foi extinta oficialmente em 2014. Essa venda foi feita à sociedade Maranhão Amaral Pinheiro & Gomes, em dezembro de 2010, por 576 mil euros.

À data, a alienação causou grande discussão pública, onde se questionava a alienação de um terreno público para o domínio privado.

Disputa judicial e envolvimento da Câmara

Os problemas começaram a surgir à data de 2015, quando os herdeiros do terreno abriram uma ação judicial e tentaram anular a venda feita à fundação em 1998.

Segundo o processo que tramita judicialmente, consultado pelo Porto Canal, os herdeiros alegaram a venda de forma equivocada, que entenderam tratar-se de um processo de expropriação, reforçado pela constituição da fundação.

A Câmara do Porto, que integrava a Fundação, envolveu-se no processo ao justificar que a escritura tinha sido clara, de compra e venda, e, portanto, não havia quaisquer ilegalidades.

O caso arrastou-se por vários anos e, em 2022, o julgamento foi finalmente marcado. Contudo, a Câmara Municipal do Porto, que até então não tinha levantado qualquer questão sobre a natureza pública do terreno, apresentou, na véspera da sessão, um requerimento que alegava a dominialidade pública do Miradouro da Vitória.

Questionada pelo Porto Canal, o município disse que só tomou conhecimento da venda do miradouro a particulares durante a primeira ação submetida em tribunal.

Documento de 1938 e suspensão do processo

A ação interposta pela autarquia foi aberta em 2023. No requerimento consultado pelo Porto Canal, a Câmara afirma que o processo integra uma parcela de terreno pertencente ao domínio público municipal, neste caso, o denominado “Largo da Bataria da Vitória”.

Sucede que, em 1938, o proprietário do edifício contíguo ao miradouro terá alterado a descrição do imóvel de forma fraudulenta. Dessa forma, todas as vendas e processos que se seguiram àquele momento, ficavam sem efeito, uma vez que, no entender municipal, o miradouro é um imóvel público.

Em resposta a este requerimento, a sociedade Maranhão Amaral Pinheiro & Gomes alegou que os documentos anexados pela autarquia “não são autênticos” e não passam de uma “cópia extraída de uma presumível certidão registral”.

A sociedade acusa a autarquia de não ter agido durante quase dois séculos e que a mesma procedeu à violência do princípio da boa-fé e abuso de direito.

Ao Porto Canal, um representante da sociedade sublinhou que toda a situação resulta na perda de milhões de euros há quase dez anos, uma vez que não podem avançar com venda ou projetos no local, enquanto os processos decorrerem em tribunal.

Projeto de arquitetura deferido pela Divisão do Urbanismo

Em 2017 tramitava um processo de licenciamento daquele espaço e foi deferido um projeto de arquitetura pela Divisão de Urbanismo do Município em 2019.

O pedido previa obras de consolidação da estrutura, reabilitação das fachadas e das
coberturas do conjunto edificado existente com uma área bruta total de 1285 m², edificação de um equipamento temporário a funcionar como estabelecimento de bebidas.

Também em 2019, chegou a ser montado um mercado de gastronomia e artesanato no logradouro, que foi desfeito por ordem camarária.

A Câmara do Porto explicou que “foi determinada a cessação do mesmo por utilização do solo sem autorização administrativa do Município, pois estava constituído por quiosques implantados no local com várias atividades, nomeadamente de restauração e bebidas”.

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