Suspenso julgamento de 10 militares da Força Aérea acusados de praxes violentas
Porto Canal / Agências
O julgamento de 10 militares da Força Aérea acusados de praxes violentas sobre dois soldados, na Base Aérea N.º5 - Monte Real, Leiria, foi suspenso, esta terça-feira, após a defesa de um arguido pedir o afastamento do coletivo de juízes.
No início do julgamento, que decorre no Tribunal de São João Novo, no Porto, o advogado de um dos arguidos levantou um incidente de recusa do coletivo de juízes, depois de o tribunal indeferir um requerimento apresentado por Carlos Caneja Amorim no qual pedia que se “decretasse o encerramento” do processo e a absolvição dos arguidos, alegando “nulidades insanáveis” da acusação do Ministério Público (MP).
O advogado apontou falhas e “viciação” à investigação do MP e da Polícia Judiciária Militar (PJM), dizendo que estão em causa, nomeadamente, a imparcialidade, a legalidade da prova obtida e a “violação grosseira” de direitos fundamentais e constitucionais dos arguidos.
O coletivo de juízes considerou que “não se vislumbrava nenhuma” das nulidades ou inconstitucionalidades invocadas pelo defensor.
Na resposta, o advogado, alegando que, perante a decisão do tribunal, não podia garantir um julgamento justo e imparcial ao seu constituinte, requereu o afastamento do coletivo de juízes (composto por duas juízas e uma coronel da Força Aérea), por se tratar de um julgamento de crimes militares.
“Atento o requerimento anunciado – recusa do tribunal para o julgamento –, tendo em consideração os efeitos que o requerimento tem, designadamente a prática de [apenas] atos urgentes, dá-se sem efeito a presente sessão de julgamento, aguardando-se a apresentação do mesmo”, explicou a juíza presidente, dando sem efeito também as sessões subsequentes.
Caberá agora ao Tribunal da Relação do Porto decidir sobre o requerimento apresentado.
Neste processo estão em causa factos praticados, entre maio de 2018 e setembro de 2019, por 10 militares (praças), com a especialidade de Polícia Aérea, colocados, à data, na secção Cinófila e nas Equipas de Intervenção, integrando a Esquadra de Proteção e Segurança – EPA.
Os dois soldados, atualmente com 27 anos, e os arguidos, com idades entre os 28 e os 35 anos, abandonaram entretanto a FAP. Um dos arguidos é agora militar da GNR e outro agente da PSP.
A acusação do MP, a que a Lusa teve acesso, conta que os 10 ex-militares, que, esta terça-feira, estiveram no tribunal, “de forma reiterada, em conjugação de esforços e na execução de plano previamente delineado”, executaram aquilo a que chamaram “processo de integração/ensinamento”.
Os arguidos consideravam que os dois antigos soldados “apresentavam um nível de desempenho abaixo do padrão”, motivo pelo qual entendiam que os mesmos “deviam ser sujeitos a integração por forma a aperfeiçoar ou assimilar os procedimentos de serviços diários relativos às funções de controlo de acessos”.
Entre maio de 2018 e setembro de 2019, a investigação, tutelada pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto e a cargo da Polícia Judiciária Militar (PJM), apurou que, “por várias vezes e em dias distintos, foi ordenado pelos arguidos aos ofendidos que comessem ração e líquidos para canídeos na presença de outros militares”.
“Aos ofendidos era previamente ordenado que se colocassem em posição canina e comessem a ração e bebessem os líquidos diretamente das gamelas e bebedouros dos canídeos, ou apanhando a ração com a boca em cima do balcão do bar”, descreve a acusação.
O MP conta que “tal sucedia enquanto houvesse ração ou até que os arguidos os mandassem parar de comer e de beber”, acrescentando que, nessas ocasiões, os arguidos ordenavam às vítimas “que rastejassem com o corpo na pista de obstáculos de canídeos”.
A investigação refere que, no período noturno, “os arguidos, por várias vezes, ordenaram aos ofendidos que entrassem numa gaiola de transporte de cães, colocada numa viatura de serviço”, sendo transportados pela periferia da BA5, em terreno “sinuoso e acidentado”, além de outros episódios relatados na acusação.