“É um neto postiço”. Aos 90 anos, Maria da Graça abriu as portas de casa a um estudante
Catarina Cunha
Maria da Graça e David Araújo, de 90 e 21 anos, conheceram-se no âmbito do Aconchego, o programa da Câmara do Porto que incentiva o alojamento de estudantes universitários em habitações de idosos que residam na cidade. Há oito meses debaixo do mesmo teto, constroem uma relação de avó e neto.
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Em setembro de 2023, David Araújo aterrou no Porto, vindo do Equador, com um único objetivo na mala: frequentar o Curso ‘Ciências do Meio Aquático’, no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da U.Porto e, dessa forma, continuar a ligação da família ao setor.
Acabado de chegar à Invicta, alugou um apartamento na rua de Pinto Bessa, em Campanhã, mas o preço elevado da renda e as despesas inerentes à residência fizeram-no procurar por outra solução, rapidamente.
“Estava a pagar 416 euros por mês (...) por isso, pedi ajuda aos meus colegas e à Associação de Estudantes do ICBAS e foi assim que encontrei o Aconchego”, conta ao Porto Canal, sentado do lado direito de Maria da Graça.
Através desta iniciativa da autarquia portuense, os jovens podem habitar na casa de um sénior sem pagar renda, mas em troca devem ajudar o mesmo em certas tarefas, por exemplo idas ao supermercado, ou visitas ao centro de saúde.
“Foi como atirar uma rocha ao mar, tive muita sorte em ter encontrado um lugar muito bom e bonito”, comenta acerca do plano municipal que frequenta.
Por sua vez, Maria da Graça conheceu o Aconchego “através de uma amiga que acolheu jovens durante oito anos”. Este ano, repentinamente, decidiu arriscar, aceitando os conselhos da colega.
“Sentia-me mais sozinha, porque a minha casa sempre foi muito cheia e sempre convivi com gente nova na escola, enquanto professora. Portanto, a dada altura senti necessidade de voltar a ter esse contacto”, confessa a idosa, que está viúva há mais de duas décadas.
A afinidade que hoje nutrem um pelo outro foi enraizada desde o primeiro contacto pessoal. “No dia em que nos conhecemos, ela mostrou-me o quarto e disse: ‘este vai ser o teu quarto’, como já tivesse a certeza que iria viver com ela”, relembra o estudante. Ambos falam da experiência com um sorriso nos lábios, recomendando a vivência a outras pessoas.
“Somos como uma família, ela diz que sou o seu neto adotivo, e para mim, desde que estou aqui, também é a minha avó adotiva”, admite sob o olhar atento da sua ‘familiar’ e amiga.
O apoio, a companhia e o bem-estar mútuo é o mote do programa municipal.Nesta vertente, David encarrega-se de ajudar Maria da Graça com “as idas ao supermercado e as visitas ao médico”. Já a idosa, “ensina-me a falar melhor português”, mas também “em resolver qualquer dúvida, ou questão”, revela o universitário.
Na rotina diária, o jantar é a hora sagrada para estes dois participantes. “Trocamos impressões, ele conta-me coisas, às vezes, engraçadas e mostra-me outras no computador”, aponta a reformada. Neste câmbio, também fazem questão de ter contacto com os respectivos familiares.
“Interessa-me imenso a relação deles com os pais. A minha família gosta muito dele, acha que está a ser uma experiência muito boa para mim, sabem que eu estou bem, portanto eles também estão bem”, refere Maria da Graça.
Neste momento, o Aconchego, que celebrou esta quarta-feira 20 anos de existência, conta oito casos ativos.