Sobreviventes de AVC reaprendem a viver no Hospital da Prelada no Porto

Sobreviventes de AVC reaprendem a viver no Hospital da Prelada no Porto
| Porto
Porto Canal / Agências

Helena Gomes estava de férias em Portugal quando um Acidente Vascular Cerebral (AVC), que lhe paralisou o lado direito do corpo, a obrigou a trocar o passeio por um internamento intensivo em que reaprendeu a andar e a comer.

“Está a ver?! Antes era empurrada [na cadeira de rodas] e agora empurro eu as colegas”, diz Helena Gomes, à Lusa quando, após almoçar e “descansar um bocadinho” está de regresso ao ginásio da Unidade de Reabilitação de AVC do Hospital da Prelada para o segundo “treino” do dia.

Aos 69 anos, esta “carioca nascida em Minas [Brasil], mas a viver no Rio de Janeiro praticamente desde sempre”, teve a sorte de a amiga portuguesa com quem passava férias em Portugal ter olhado “no momento certo” para a “boca que já estava de lado” e interpretado “logo os sinais da voz arrastada”.

“Se ela tinha saído para trabalhar ou fazer compras, eu não estava aqui. E sem este sítio fantástico, este treinamento intensivo, ainda não andava. Foi um susto muito grande”, conta.

Sofreu um AVC no dia 7 de setembro. Esteve 13 dias internada no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, e está há quase 60 no Hospital da Prelada, equipamento da Santa Casa de Misericórdia do Porto (SCMP), que criou em 2019 uma Unidade de Reabilitação de AVC.

Com a orientação de médicos fisiatras, enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas e até de uma neuropsicóloga, Helena Gomes deixou a cadeira de rodas e já quase não precisa de ajuda para cortar os alimentos. Quando chegou à Prelada davam-lhe banho. Atualmente faz a higiene sozinha.

“Mais devagarinho Dona Helena”, ouve-se no corredor entre o refeitório e a enfermaria.

“Está a ver? Eles chamam-me à atenção porque a minha vontade é de fazer mais, de seguir em frente e, se calhar, ando rápido demais. Eu sinto-me capaz. Ando um bocadinho desequilibrada, mas não a ponto de cair. Eu sinto-me capaz porque aqui fico focada o dia todo. Isso facilita muito a recuperação. Se eu tivesse de sair de casa para ir fazer a fisioterapia, não teria tanto estimulo. Um apoio destes é como ter a mão de Deus”, afirma.

Essa “mão de Deus” tem vários nomes na Prelada e um deles é o de Luísa Silva, fisioterapeuta neste hospital há 36 anos. É ela quem acompanha Helena no ginásio cerca de hora e meia a duas horas de manhã e mais duas à tarde.

“No início muitos doentes nem sabem dar um passo. Muitas vezes o doente nem sequer tem equilíbrio sentado. Fazemos exercícios para melhorar a função da marcha e para melhorar a função de cada doente nas atividades da vida diária. Tudo depende de doente para doente e temos de trabalhar tudo. Até o psicológico”, descreve.

Ao seu trabalho, soma-se o trabalho de outros profissionais, como os terapeutas da fala e os ocupacionais que podem ter de intervir para “reensinar” um sobrevivente de AVC a engolir e a mastigar ou a encontrar estratégias para atar os cordões das sapatilhas ou usar um talher com apoio quando, por exemplo, não consegue fechar a mão.

O AVC – doença cérebro-cardiovascular caraterizada por uma rápida perda de função neurológica, decorrente do entupimento ou rompimento de vasos sanguíneos cerebrais – é considerado a principal causa de incapacidade permanente do adulto.

Um programa intenso de recuperação pós-AVC na Prelada dura, em média, 60 dias. A meta é preparar o doente para o dia a dia fora do hospital, integrando a família no processo.

“Depois passam para regime de ambulatório, para a comunidade ou para a rede de cuidados continuados. Temos referenciado cada vez menos doentes para cuidados continuados porque, às vezes, prolongando um bocadinho a estadia, conseguimos atingir objetivos de forma a que a pessoa possa ser integrada em casa, que é sempre o desejável”, refere o diretor do Serviço de Medicina Física de Reabilitação do Hospital da Prelada, Renato Nunes.

Em entrevista à Lusa, na véspera do Dia Mundial do AVC, que se assinala na terça-feira, o médico fisiatra explica que criar uma unidade especializada fez sentido atendendo ao número crescente de casos de sobreviventes de AVC, à complexidade e à necessidade de programas mais diferenciados.

Estima-se que em Portugal, a cada 23 minutos, uma pessoa sofra um AVC. Cerca de 25% dos casos ocorrem antes dos 65 anos de idade. Há 20 mil sobreviventes de AVC por ano e 35 a 40% ficam com sequelas moderadas ou graves e precisam de programas especializados.

Com uma equipa de 35 pessoas, a Unidade de Recuperação de AVC da Prelada recebeu, em 2023, cerca de 150 doentes.

Depois de ter sido criada com dez camas, alargou para 26. Em 2025 conta abrir mais dez vagas.

“Por todo o país a necessidade de camas é imensa”, refere Renato Nunes, contando que a Prelada tem aceitado doentes cada vez mais complexos em que às vezes a colaboração inicial “até nem é ideal” por alterações cognitivas ou alterações da comunicação e que a experiência com doentes idosos também tem sido “muito boa”.

“Tem acontecido nos últimos três/quatro anos. Tradicionalmente os doentes idosos eram considerados com menos potencial e eram quase sempre direcionados para programas menos intensivos, mas temos tido uma ótima experiência com idosos e alguns acima dos 85 anos”, revela.

Considerando que a Prelada tem “mudado um bocadinho o paradigma da reabilitação do AVC”, Renato Nunes explica que com esta experiência não está a contrariar as normas da Direção-Geral da Saúde que define, pela idade e pela gravidade, a orientação dos doentes, mas sim a olhar para os casos individualmente e a responder a um apelo internacional para melhoria dos cuidados aos doentes idosos.

“Sofreram um AVC e sobreviveram. Ainda têm muito para dar”, refere.

Helena Gomes concorda: “Tenho muito calçadão para andar”, diz à Lusa depois de confessar que, além de viajar e fazer férias, o que mais deseja é voltar a comprar o pão e o jornal nos mesmos lugares que distam cerca seis quilómetros da sua casa na Tijuca, “terra de samba e de fé”.

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