Investigador acredita que fogos poderiam "ter sido bastante pior se tivéssemos tido um ano seco"
Porto Canal/Agências
O investigador de Coimbra Joaquim Sande Silva alertou que, por muito graves que sejam os recentes incêndios no Centro e Norte do país, “poderia ter sido bastante pior”, num ano mais seco, criticando a difusão de imagens das chamas.
“As áreas queimadas que são enormes, resultantes dos incêndios desta semana, poderiam ter sido muitíssimo maiores, muitíssimo maiores e, portanto, não nos devemos esquecer das grandes áreas queimadas que já aconteceram no nosso país”, afirmou Sande Silva.
O investigador na área da ecologia do fogo no Centro de Investigação em Recursos Naturais, Ambiente e Sociedade (Cernas), do Instituto Politécnico de Coimbra (IPC), em declarações à Lusa, lembrou os “mais de 400.000 hectares [ha]” que arderam em 2003, “mais de 300.000 ha em 2005 e mais de 500.000 ha em 2017” para sustentar o seu aviso.
“Portanto, tudo leva a crer que poderemos vir a ter anos tão maus ou piores como estes exemplos” e “basta que os fatores negativos, digamos assim, se alinhem, coisa que não aconteceu esta semana, por muito mau que tenha sido”, e “poderia ter sido bastante pior se tivéssemos tido um ano seco, como tem acontecido noutros anos”, considerou.
Em relação à origem dos incêndios, Sande Silva apoiou-se nas estatísticas anuais que, neste momento, “apontam para 1% de causas naturais, ou seja, causado por, à partida, raios, trovoadas secas, e 99% de causas com origem humana, direta ou indireta”.
“Destas 99%, há 33% que são atribuídas, e estamos a falar dos incêndios deste ano, a incendiarismo por indivíduos imputáveis, portanto, onde se põe de lado pessoas com atraso mental” e “não estão contabilizadas crianças”, precisou o investigador.
Por outro lado, o retrato-robô do incendiário português já foi traçado por estudos de uma investigadora do Instituto de Ciências Criminais, através de detidos pelo crime de incêndio florestal, e que segundo o professor do IPC “desilude todas essas teorias da conspiração que costumam surgir” após os incêndios, pois são pessoas desfavorecidas e marginalizadas socialmente, “muitas vezes com problemas de alcoolismo” e “de droga”.
Além disso, possuem “profissões pouco reconhecidas também socialmente, com níveis baixos de literacia” e deitar fogo “é uma forma de se afirmarem, tal como se veem aí ‘graffiti’ nas paredes”, disse.
Mas, Sande Silva recuou também aos incêndios de 2003-2005, quando “foi muito falado o papel potencialmente pernicioso da comunicação social”, incentivando esses desvios em pessoas com “comportamentos miméticos”.
“Se está na moda o fogo, então eu também vou pôr. É óbvio que é muito difícil […] traçar aí relações de causa-efeito, mas por exemplo, nesse triénio 2003-2005, falou-se muito de um fenómeno que se auto alimentava, quanto mais fogo se mostrava nas televisões, mais fogo as pessoas acabavam por colocar e, portanto, havia aí uma espécie de 'feedback loop' a respeito deste problema da influência, da excessiva mediatização dos incêndios”, recordou.
Ainda assim, voltando às estatísticas oficiais do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), com base nas investigações da GNR, de que 67% dos incêndios não têm origem intencional, o investigador realçou que o valor de 33% desce ligeiramente considerando-se “a média dos últimos 11 anos”, baixando para 29% de incêndios intencionais por imputáveis.
“Mas, há muitíssimo mais trabalho a fazer relativamente ao cidadão comum do que em relação aos incendiários. A dar uma ordem de grandeza, o povo português, portanto, a sociedade portuguesa coloca seis vezes mais fogos por 1.000 habitantes do que 1.000 espanhóis”, destacou Sande Silva, notando que com esta ordem de grandeza, de seis para um, há “um trabalho muito grande a fazer em termos de redução de ignições”.
Ao olhar para o mapa dos incêndios na Península Ibérica, constatou que “param na fronteira”, ora “se param na fronteira não é um problema nem do clima, nem de vegetação, é um problema das pessoas" que estão do lá de cá da fronteira e, por isso, existe um “trabalho de educação” a encarar com seriedade.
“Tudo aponta para virmos a ter uma época de incêndios mais extensa”, admitiu, apontando para a amostra de 2017, com fogos a começar em junho em Pedrógão e a acabar em outubro associados a um furacão, com tudo “previsto nos modelos de alterações climáticas para as próximas décadas”.
Recusando atribuir acontecimentos anuais às mudanças climáticas, que funcionam com séries de dados, o especialista observou, porém, que no caso da temperatura a tendência geral dos registos meteorológicos “vão aumentando” e, portanto, a manter-se a tendência, irão existir “grandes problemas no futuro”.
E, pegando num artigo científico com uns anos, que costuma mostrar aos seus alunos, prevendo “que a área queimada em Portugal venha a triplicar no final deste século”, em média, concluiu que dá para “ver o que nos espera no futuro”.
Sete pessoas morreram e 177 ficaram feridas devido aos incêndios que atingiram, desde dia 15, sobretudo as regiões Norte e Centro do país. A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil contabiliza cinco mortos, excluindo da contagem dois civis que morreram de doença súbita.
Os incêndios provocaram 135 mil hectares de área ardida, segundo o sistema europeu Copernicus e destruíram dezenas de casas.