Portuenses entupiram artérias da Baixa no primeiro de maio de 74
João Nogueira
O país acabava de sair de uma revolução que provocou a queda do regime ditatorial em 1974 e a repressão e hostilidade, vividas por tantos portugueses naquele período, levou milhares até às ruas para gritar por liberdade. Os dias passaram mas nem assim a reivindicação perdeu o pulso, com os cravos a dar lugar às bandeiras e cartazes dos sindicatos de trabalhadores. No Porto, o 1.º de Maio é recordado como a consagração do 25 de abril e pelas ruas a abarrotar de união e emoção dos portuenses.
“Era algo que nunca tinha acontecido na minha vida”. As palavras são da antiga trabalhadora da Fábrica de Malhas do Ameal, Palmira Peixoto, mas são os seus olhos que melhor expressam as emoções que viveu no 1.º de Maio, no Porto: “Dá vontade de chorar quando me lembro daquilo”.
Atualmente, o 25 de Abril é reconhecido pela maioria como a data mais importante em Portugal, onde se fazem concentrações, programas, homenagens ou memoriais. Mas em 1974, foi o Dia do Trabalhador que mais assolou o coração dos portuenses, com a recém conhecida liberdade a dar espaço para a coragem que levou ainda mais gente para as ruas.
Palmira Peixoto, por exemplo, lembra que não esteve na rua durante a Revolução dos Cravos. O mesmo não sucedeu com o Dia do Trabalhador: “Eu sei lá se eu faltei ao trabalho, eu não faço ideia. Sinceramente. Eu só sei que naquele dia eu fui lá para baixo (Avenida dos Aliados)”.
E de facto, em 1974, o 25 de Abril e o 1.º de Maio andaram de mãos dadas. A Praça da Liberdade encheu-se de multidões. “Era uma coisa de perder a vista”, recorda o portuense Miguel Moreira. “Todas as ruas estavam completamente cheias. Não cabia mais ninguém na praça. Era gente que nunca mais acabava”, continuou o mesmo.
Manuel Lopes, também presente nos eventos da época, relembra a grandiosidade das multidões: "O 1.º de maio de 74, ali na Avenida dos Aliados, parece que nunca houve tanta gente junta como nesse dia". A observação é clara até aos dias de hoje. Foram tamanhas as concentrações de operários e trabalhadores ao ponto de as fotografias da época retratam uma Avenida dos Aliados irreconhecível.
O clima era de união: “Nós éramos trabalhadores. Todos nós tínhamos o mesmo objetivo. Era uma coisa como se eu fosse irmã daquela e daquele (...) A alegria era uma coisa incrível”, assinala Palmira Peixoto.
A mesma reitera que foram as reivindicações sucessivas que se fizeram logo a seguir ao 25 de Abril, como o 1.º de Maio, que “criaram algumas mossas” e deram mais espaço para a liberdade e justiça social e laboral. “O 1.º de Maio fez quase como um caderno reivindicativo”.
Manifestações continuaram, com ou sem violência
No Porto, o 1.º de Maio continuou a ser celebrado e a levar milhares de pessoas à rua. Exatamente oito anos depois da concentração histórica do 1.º de Maio de 74, aconteceu uma das manifestações mais sangrentas e repressivas a que o Porto assistiu.
A CGTP tentou instalar palcos na Avenida dos Aliados na madrugada de 30 de abril daquele ano, mas a repressão policial em resposta foi tremenda, resultando em dois trabalhadores mortos a tiro, dezenas baleados e muitos mais com ferimentos diversos.