Do tempo das quatro patas à época das quatro rodas. A história da Rua da Picaria

Do tempo das quatro patas à época das quatro rodas. A história da Rua da Picaria
Pedro Benjamim | Porto Canal
| Porto
Pedro Benjamim

No ‘coração’ do Porto, a Rua da Picaria, outrora conhecida pelo comércio das madeiras, é hoje casa de vários restaurantes - 20, em 200 metros de rua -, que constam em listas e recomendações dos locais a visitar na invicta. Longe dos holofotes estão, no entanto, as empresas tradicionais que ainda subsistem.

 
 
 
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A etimologia do nome da rua leva-nos ao mundo da equitação, à arte de adestrar cavalos. Eram eles o ‘motor’ no transporte de mercadorias naquela íngreme artéria da cidade. Além do tradicional comércio de madeiras, é também naquela rua que fica a casa de Francisco Sá Carneiro, proeminente político da cidade. Foi um dos fundadores do PPD/PSD e primeiro-ministro de Portugal (eleito pela primeira coligação Aliança Democrática) que morreu na tragédia de Camarate em 1980.

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A mais antiga loja que ainda está em funcionamento na Picaria abriu portas no início do século XX e dedica-se às molduras. Hoje em dia, vende também artigos de Belas Artes.

“A empresa de molduras já era muito conhecida porque é a segunda mais antiga do país”, conta a atual gerente ao Porto Canal. A António Santos & Companhia, Lda nasceu daquela que é a mais antiga loja do país e que fica também na cidade do Porto. “Foi fundada em 1917, mas registada à volta de 1930. Na minha família está há cerca de 40 anos”, partilha Débora Pereira. Foi nos anos 80 que os seus pais - Jorge Alves Pereira e Maria Amélia Alves Pereira - adquiriram a empresa. “Toda a gente lhe chamava Sr. Santos”, recorda enquanto sorri.

Quando compraram a empresa, uma das maiores dificuldades foi manter postos de trabalho, entre fábrica e loja, num negócio que tinha pouca procura. “Recordo-me dos meus pais ao final do dia, a minha mãe a chorar, porque não entravam pessoas e era a responsabilidade de pagar ordenados naquilo que eles se meteram, porque eles também investiram aqui um trabalho daquilo que eles tinham ganho noutros sítios”, conta ao Porto Canal.

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Débora Pereira, gerente da Moldursant

A Moldursant era uma loja de molduras que, já na família Pereira, evoluiu para a venda de artigos de Belas Artes. “Eu fiz pintura na Faculdade de Belas Artes”. Foi esta a razão para que a empresa passasse a ter também outro tipo de oferta.

Quando chegaram à rua da Picaria, “as molduras eram o principal que se via na loja e a loja no início era só lá em baixo”, lembra Débora, que, atualmente, vive também naquela rua. “Depois o meu pai acabou por ficar com o resto do edifício. Esta parte de cima estava arrendada e a parte de baixo [cave] também e à medida que fomos ficando fomos crescendo”.

“Quando ficamos com a parte de baixo ficamos com a parte da transformação em baixo e armazéns e depois crescemos com os artigos de Belas Artes para aqui [piso superior]”.

A liderança da loja passa agora pela segunda geração da família, mas na empresa “já vai na terceira”, conta Débora Pereira. “A minha filha mais velha também já está aqui”.

“As pessoas em anos de crise não pensam em emoldurar coisas”

“Quando comecei a fazer gravura havia muitas coisas que não existiam cá. Começámos a ter prensas, fomos desenvolvendo todos os artigos que não havia cá. Depois ficamos representantes de uma marca e distribuímos para todo o país, até 2005. A partir daí ficamos sem essa representação. O nosso percurso a nível das Belas Artes foi evoluindo bastante e nós vendíamos para todo o país e a partir dessa altura paramos um bocado mais com a revenda e dedicamo-nos mais ao balcão novamente”, explica a história ao Porto Canal.

A gerente da loja de molduras recua aos primeiros anos do início do novo século, numa altura em que o futuro poderia ter seguido um novo rumo. “No início quando toda a gente andava na prospecção imobiliária vieram entregar-me um cartão para eu entregar ao meu pai e francamente escondi o cartão”, recorda afirmando que esse caminho “era mais fácil". "Foram anos muito duros para isto ter rendimento”, referindo-se à crise de 2008, altura em que começou a sentir “um decréscimo muito acentuado nas molduras”, logo a partir de 2005.

“Tudo o que eram as lojas de madeira quase já não existem”

A frase é de Débora Pereira, que faz o retrato daquela artéria da cidade. Hoje em dia a rua é dominada pelo setor da restauração. São 20 os restaurantes naquela artéria com cerca de 200 metros, sendo que apenas um deles pode também ser considerado tradicional. O “Ernesto” está lá aberto desde 1938.

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José Augusto, um dos proprietários da Carvalho & Cunha, Lda

Ainda em funcionamento, outra das empresas - a segunda mais antiga da rua - é a mais antiga na venda de móveis em pinho. A Carvalho & Cunha, Lda conta 83 anos e está no número 6 da Rua da Picaria. Foi inaugurada a 21 de março de 1941.

A empresa é liderada por dois cunhados, ambos José, um deles Augusto, o outro Manuel.

Esta é a terceira geração na empresa. “Começou com o meu avô, depois passou para o meu pai e agora estamos nós”, diz José Augusto. “O meu avô foi a segunda casa de móveis aqui na Picaria. A primeira já não existe, era a Joaquim Pinheiro Araújo. O meu avô trabalhou lá e depois estabeleceu-se”.

“Vim antes de ir para a tropa e fiquei”. Pelo meio, José Augusto fez serviço militar nos Comandos e viria a regressar à loja de móveis onde ficou até aos dias de hoje. Atualmente, com 63 anos, não pensa em reformar-se: “enquanto puder cá estar” há-de continuar, desabafa ao Porto Canal.

A chegada a Portugal de grandes operadores no setor do mobiliário veio trazer desafios ao comércio tradicional de móveis. A empresa vai subsistindo, mas lembram que “há 20 anos fecharam 15 a 16 lojas por aqui acima”. Mais recentemente “fechou uma que estava aqui no meio”, conta José Manuel: “a móveis Rocha”.

A relação de longa data com o senhorio, que vai na segunda geração, tem sido também uma das razões pela qual ainda tem sido possível manter as portas abertas. O valor da renda é “mais ou menos acessível”, realça, já que “de outra forma não era possível”. José Manuel é perentório quando afirma que “da parte do senhorio nunca houve” a vontade de terminar o contrato”.

O cliente da Picaria

O modelo de negócio mantém-se da forma tradicional. “Nós trabalhamos à base de madeira de pinho e a rua da Picaria desde há muitos anos foi sempre procurada pelo preço, por uma gama mais económica. Já tentamos entrar numa gama um bocadinho melhor, mas aqui não é procurado”, explica José Manuel.

Através do digital conseguiram chegar a novos mercados, fora do Grande Porto. “Entretanto pusemos algumas imagens no Google e de vez em quando somos solicitados. Vêm de Lisboa também”.

No entanto, a grande base de subsistência são os clientes habituais. “Temos clientes de há 50 anos, que já era do tempo do avô e que são fiéis. Temos algumas instituições com quem trabalhamos há alguns anos”, apontam. Contudo, há também clientes mais recentes, entre eles alguns estrangeiros que compram móveis para habitações das quais são proprietários e que estão no mercado de arrendamento.

Das quatro patas às quatro rodas

Um dos outros desafios é o estacionamento junto à loja. “Você vai a um centro comercial e entra com o carro, não se molha, vai à restauração, faz tudo e não podemos combater isso”, afirma José Manuel.

A questão das acessibilidades é também uma das preocupações de Débora Pereira, da loja de molduras. “Desde que começaram as obras do metro isto tem sido uma miséria, porque desviaram o sentido das ruas”, lamenta. “Se pensar em vir de carro é muito difícil, no início os clientes começaram a reclamar. Se vier nos Aliados é obrigado a ir para o túnel”

“Isto é um resistir às vezes um bocadinho contra tudo e contra todos”, aponta José Manuel.

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