Galiza e Norte de Portugal podiam formar um país?

Galiza e Norte de Portugal podiam formar um país?
| Norte
João Gomes

As eleições regionais da Galiza deste domingo colocaram pela primeira vez a hipótese de o Bloque Nacionalista Galego ascender ao poder. Caso o Partido Popular não alcance o número “mágico” de 38 deputados, o “Bloque” deverá liderar a Junta e poderá fazer ressurgir o debate do independentismo galego. A irmandade Norte de Portugal Galiza é histórica e a criação de uma nação conjunta foi defendida por muitos no passado. Agora, há quem queira recuperar a ideia.

Há muito quem na Galiza acredite que a região deveria ser mais do que um exemplo de autonomia. Apesar de contidos e isolados, os movimentos independentistas, quase sempre nascidos de falanges mais radicais do BNG, continuam ansiar por uma República Galega soberana.

“Há um pulsar nacionalista na região, mas socialmente não há um desejo de independência”, explica Carlos Amado em entrevista ao Porto Canal, realizada em Março de 2023 para a grande reportagem “Galiza: Espelho da Autonomia.” Amado não identifica o risco de a situação escalar, à semelhança do que aconteceu na Catalunha. A posição foi também defendida pelo presidente do parlamento galego, que garante que a população “se sente tranquila com o governo atual e tem a noção de que vive numa região com um nível de autonomia muito elevado”.

Porto Canal

O Bloco Nacionalista Galego não tem dúvidas de que o mapa europeu caminha rumo a uma Europa de regiões. “Em Espanha, há uma realidade plurinacional, há nacionalidades históricas que não têm um bom encaixe político no atual mapa das autonomias e, portanto, há um debate sobre esta questão”, afirma o deputado Luís Bará, que recorda que há situações semelhantes a acontecer noutros países, como o Reino Unido ou a Bélgica.

Visão contrária tem o Partido Popular, que coloca em si o mérito de ter conseguido gerir “o amor que o povo galego tem pela sua terra, que não é incompatível com o amor por Espanha e com a integração na Europa”. Para Pedro Puy Fraga, são estes três ingredientes que caracterizam o sentimento identitário da população da Galiza, que é “muito aberto” e “totalmente compatível” com outros.

“Lusitanos nunca fomos nós”

Norte de Portugal e Galiza comungam raízes históricas e étnicas. Tudo começa nas civilizações pré-romanas, na pré e proto-história. A região do noroeste peninsular, definida essencialmente a norte do Douro, era povoada pelos Galaicos (de Galécia). Já a sul, dominavam os povos lusitanos, que nunca chegaram a povoar o território a norte. Tal como canta Nuno Rodrigues (vocalista da banda de Barcelos Duquesa), “lusitanos nunca fomos nós.”

Também a divisão em províncias da Hispânia Romana não ignorou os antecedentes históricos. A Lusitânia ficou-se pelo Douro e a norte, um território contínuo que unia o atual Norte de Portugal e Galiza. Uma unidade que durou até à formação das nacionalidades e ao estabelecimento de fronteiras.

A etimologia da palavra Galiza, Cale (Porto) e Portugal é, aliás, comum. Os três topónimos são descendentes da Gallecia (ou Gallaeci).

Porto Canal

Língua comum

A proximidade entre o português e o galego não é apenas estética. O mapa linguístico da Península Ibérica explica a proximidade entre os dois idiomas, que são, quase sempre, mais semelhantes entre si do que com o castelhano.

Culturas e tradições

As culturas e tradições entre a Galiza rural e arcaizante e o Norte de Portugal são semelhantes, e estabelecem-se paralelismos muito óbvios entre os dois lados da fronteira.

Contra o centralismo das capitais

Com percursos muito distintos nas últimas décadas (a Galiza, ao contrário do Norte de Portugal, goza de um estatuto autonómico desde 1981), as duas regiões partilham um sentimento popular de oposição ao centralismo de Madrid e Lisboa, respetivamente. A história da autonomia galega está na génese da explosão económica e social da região, que por ocasião da democratização de Espanha era das mais pobres da Europa. Hoje, a Galiza ultrapassou o Norte de Portugal e segue pujante, assente em clusters industriais.

Porto Canal

Futebol une os dois lados

Em novembro de 2023, adeptos do Celta de Vigo lançaram o mote: abandonar a Liga Espanhola e juntar o clube às competições portuguesas. Uma proposta aparentemente irrealista e que não foi levada a sério, mas que acabou por levantar uma onda de apoio e mobilização que levou o jornal galego “Nós Diario” a lançar um inquérito.

Também a vitória expressiva do Celta de Vigo sobre o Benfica (7-0), em jogo a contar para a Taça UEFA de 1999/2000, esteve na génese de uma amizade que se estabeleceu entre os nortenhos e os galegos.

Galiza e Norte de Portugal: povos irmãos

As manifestações de irmandade entre o Norte de Portugal e a Galiza são frequentes. Em dezembro de 2022, centenas de pessoas marcharam no Porto num “Ato de Irmandade Galego-Português.” Segundo a organização, a intenção era de “tornar visível a questão galega.”

Porto Canal

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