"Pressões políticas", bodes expiatórios, divergências e reuniões "secretas". O 'jogo de xadrez' entre Alexandra Reis e a CEO da TAP
Fábio Lopes / Agências
Depois de três meses de intensa polémica, Christine Ourmières-Widener e Alexandra Reis, protagonista do caso da polémica indemnização de meio milhão de euros da TAP, que levou a uma remodelação no Governo e à exoneração dos presidentes da companhia, foram ouvidas em sede de comissão parlamentar de inquérito.
A primeira a ser escutada, na terça-feira, foi a gestora cessante da companhia aérea de bandeira nacional, após ter contestado a exoneração anunciada pelo Governo. Ao longo de quase sete horas de audição, Christine Ourmières-Widener esclareceu os detalhes da negociação com Alexandra Reis, a interação com o executivo e a pressão política que diz ter sentido para se demitir.
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A gestora, recorde-se, foi a terceira personalidade, de uma lista de cerca de 60, a ser ouvida pela comissão parlamentar de inquérito à tutela política da gestão da TAP, constituída por iniciativa do Bloco de Esquerda.
Christine Ourmières-Widener sublinhou, por várias vezes, sentir-se um “bode expiatório numa batalha política” e “desrespeitada” pela forma como acabou afastada da empresa.
"Alexandra Reis não tinha o perfil necessário"
De modo a serem cumpridos os objetivos que se desenhavam para a nova fase da TAP, fruto do plano de reestruturação, a Presidente Executiva da companhia aérea referiu que Alexandra Reis "estava desalinhada com a estratégia", e que o seu afastamento não foi pessoal.
"Não tinha o perfil necessário para ocupar o cargo devidamente, precisávamos de uma perspectiva mais estratégica", afirmou.
Christine Ourmières-Widener revela que foi no inicio de janeiro, no dia 4, que foi decidido que Alexandra Reis teria de sair da empresa. A 18 de janeiro foi enviado para o Ministério das Infraestruturas e Habitação uma proposta de reorganização da administração e, no dia seguinte, 19 de janeiro, a CEO diz que informou o presidente do Conselho de administração e o CFO sobre esta reorganização.
A decisão, destacou Christine, recebeu luz verde de Pedro Nuno Santos, com vista às mudanças. Foi esta tutela que, segundo a gestora, começou por considerar os valores iniciais de indemnização “muito altos”, a dar indicação para seguir as negociações e aprovar o valor final, de 500 mil euros. Uma vez aprovado o pagamento, o secretário de Estado, Hugo Santos Mendes, informou a CEO da TAP de que podia “fechar” o processo. Assim, a gestora francesa reitera que a decisão final não foi sua.
"Não esperava tão alta pressão política"
Na véspera do anúncio da sua demissão, a CEO da TAP revelou que teve uma reunião com Fernando Medina e em nenhum momento foi informada de que seria demitida com justa causa, apenas que a “situação estava complicada”.
“Para mim foi uma reunião muito difícil, porque o tom da reunião era bastante triste. Diziam-me que os resultados eram fenomenais e que tinha feito um trabalho fantástico, Mas que, tendo em conta toda a pressão de várias partes, não havia outra opção para o Governo que não passasse por travar o avanço do meu mandato", referiu.
Contudo, Christine Ourmières-Widener não cedeu, dizendo não ter feito "nada de errado". Assim, a dirigente diz que o seu despedimento, anunciado na televisão, foi "um ato ilegal", sem respeito por uma executiva sénior, à luz dos lucros de €65,5 milhões em 2022, considerando-se, várias vezes, um “bode expiatório numa batalha política”.
A reunião entre a CEO da TAP e deputados do PS na véspera de ir ao parlamento
Em resposta ao deputado da Iniciativa Liberal (IL) Bernardo Blanco, a gestora, que já tinha ido ao Parlamento a 18 de janeiro para dar explicações sobre a saída de Alexandra Reis, confirmou que, an véspera, teve “uma reunião" com o grupo parlamentar do Partido Socialista (PS).
Na mesma audição, a CEO apontou na direção de Carlos Pereira para confirmar que o deputado esteve nessa reunião, o que suscitou protestos do PSD pelo facto de o deputado ser o coordenador do PS que questionou a presidente executiva nesta audição.
O deputado da IL quis saber se no encontro houve alguma combinação de perguntas e respostas, nos esclarecimentos a dar à Assembleia da República, ao que a gestora disse não se recordar.
'Braço de ferro' entre Christine e Gonçalo Pires
Christine Ourmières-Widener realçou, por diversas ocasiões, na comissão de inquérito que Gonçalo Pires, administrador financeiro da TAP, sabia da saída de Alexandra Reis desde o início. O CFO tinha garantido aos deputados que nunca esteve envolvido nas negociações, desconhecendo os contornos e valores envolvidos no acordo.
“Ele estava ciente do projeto para a nova organização”. Além de Gonçalo Pires, também Manuel beja e o ministério das Finanças estavam a par, defendeu.
Mudança do voo de Marcelo pedida pelo Governo
A audição à presidente executiva da TAP ficou marcada pela divulgação de um pedido do ex-secretário de Estado das Infraestruturas Hugo Mendes para alterar um voo do Presidente da República a Moçambique.
Segundo um 'email', citado por Bernardo Blanco da IL, Hugo Mendes sublinhava que era importante agradar a Marcelo Rebelo de Sousa, descrito como "o nosso maior aliado político". Christine Ourmières-Widener disse que "desconfiou do pedido" e a antecipação do voo acabou por não acontecer.
"Verifiquei que não era um pedido diretamente da Presidência. Não houve uma alteração da data. O Presidente encontrou outra solução”, defendeu.
Alexandra Reis diz que contactou TAP para devolver indemnização mas não obteve resposta
No dia seguinte foi Alexandra Reis, a quarta personalidade, ouvida pela comissão parlamentar de inquérito à tutela política da gestão da TAP, depois da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), o administrador financeiro da empresa, Gonçalo Pires, e da presidente executiva, Christine Ourmières-Widener.
Alexandra Reis assegurou, esta quarta-feira, que pretende devolver à TAP parte da indemnização que recebeu na sequência da cessação de funções enquanto administradora, mas realça que a companhia aérea ainda não respondeu às suas solicitações.
A ex-administradora sublinhou ter insistido pelo menos três vezes com a TAP para saber qual o montante líquido a devolver da indemnização de meio milhão de euros, estando ainda a aguardar informação, ainda que discorde do parecer da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) que declara o montante ilegal.
“Aceitei sair da empresa com total boa-fé”
A ex-administradora da TAP referiu que aceitou sair da empresa “com total boa-fé” e que as divergências com a presidente executiva nunca “beliscaram” o compromisso com a implementação do plano de reestruturação.
“Aceitei sair de uma empresa com total boa-fé, à qual me entreguei com todo o meu compromisso”. A também ex-secretária de Estado disse ainda que, enquanto membro da comissão executiva da companhia aérea manifestou sempre de forma construtiva as suas visões, “mesmo quando estas não eram coincidentes com as da nova CEO”.
“Eu quero que saias da empresa”
Sobre a sua saída da companhia aérea, Alexandra Reis acrescentou que a presidente executiva lhe pediu para abandonar a empresa “numa reunião muito curta”, tendo-lhe sido pedida confidencialidade e transmitido que o Governo estava de acordo.
Segundo a antiga administradora, em 25 de janeiro do ano passado, “numa reunião muito curta”, a CEO da TAP explicou-lhe que queria distribuir os seus pelouros por outros membros da comissão executiva e por isso lhe perguntou o que ficaria a fazer sem essas mesmas responsabilidades. “Eu quero que saias da empresa”, foi o que, segundo Alexandra Reis, a presidente executiva da TAP lhe disse, tendo deixado claro que queria que saísse não só de administração, mas da empresa.
Indemnização não esteve em cima da mesa aquando de convite para o Governo
Alexandra Reis reforçou que não falou sobre a saída da empresa, nem sobre a indemnização de meio milhão de euros, com o ministro das Finanças, Fernando Medina, quando foi convidada para o Governo.
“Quando fui convidada para secretária de Estado, não falámos do meu processo de saída da TAP, nós não falámos sobre a indemnização”, afirmou Alexandra Reis, em resposta ao deputado Bernardo Blanco, da IL, na comissão de inquérito à companhia aérea.
O deputado liberal perguntou à ex-secretária de Estado do Tesouro como é que Fernando Medina conhecia as razões para a saída da TAP, embora tenha dito que não sabia da indemnização, ao que Alexandra Reis respondeu apenas: “Não sei”.
Apesar de ter elencado várias divergências entre si e a presidente executiva da TAP, nenhuma delas foi o desalinhamento com a execução do plano de reestruturação, que é o grande motivo apontado por Christine Ourmières-Widener. Mudança de sede, renovação de frota automóvel, contratação de diretores e altos quadros são alguns dos pontos de dicóridia entre ambas, que ainda assim não impediram Alexandra Reis de proferir uma afirmação que levantou surpresa.
Renúncia sem contrapartidas
A ex-governante afirmou que teria renunciado aos cargos na TAP, sem contrapartida, se o ex-ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, ou o ex-secretário de Estado, Hugo Mendes, lhe tivessem dito que preferiam que renunciasse.
“Se na altura o senhor ministro, ou o senhor secretário de Estado me tivessem dito que preferiam que eu renunciasse, eu teria renunciado, sem contrapartida”, afirmou a ex-administradora da TAP, em resposta ao deputado socialista Hugo Costa, na comissão de inquérito à companhia aérea".
A também ex-secretária de Estado disse que sentiu sentido de urgência por parte da presidente executiva, Christine Oumières-Widener, relativamente à sua saída, admitindo que, na altura, fez uma “leitura totalmente pessoal” para aquela urgência: “porque ia haver eleições e ela não sabia qual era o resultado das eleições”.
O motorista por vacinar
Alexandra Reis revelou esta quarta-feira que a presidente executiva da TAP quis demitir o motorista que falou sobre o uso do carro da empresa ao serviço de Ourmières-Widener para transportar familiares seus, justificando com a falta de vacinação contra covid-19.
Durante a inquirição da deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua, na comissão de inquérito à TAP, Alexandra Reis explicou que, em 21 de dezembro de 2021, a presidente executiva abordou-a sobre um motorista que não estava vacinado contra a covid-19 e que, por isso, não poderia continuar na empresa.
De acordo com Alexandra Reis, trata-se do mesmo motorista que partilhou “com alguma candura” que um outro motorista estaria a fazer uma deslocação “não diretamente para a CEO”, estando instituído que só poderia haver recurso aos motoristas da empresa para motivos profissionais.
Alexandra Reis travou negócio entre a TAP e o marido da CEO
A antiga administradora da TAP, confirmou ainda, no Parlamento, que o marido de Christine Ourmières-Widener, CEO da empresa, chegou a fazer apresentações para “vender uma solução”. Sublinhando que a CEO nunca lhe fez qualquer comentário sobre o tema, Alexandra Reis garantiu ter dado indicações à sua equipa para não se assinar “nenhum contrato” com a empresa de Floyd Murray Widener.
Segundo a lei, os gestores das empresas públicas, como a TAP, estão proibidos de celebrar contratos com familiares diretos. Certo é que o marido da CEO chegou a apresentar os seus produtos na TAP, mas Christine Ourmières-Widener, nas suas declarações na Comissão Parlamentar de Inquérito, limitou-se a dizer que não houve qualquer assinatura de contrato.