Cientistas medem isótopo radioativo um bilião de vezes mais velho do que o Universo
Porto Canal com Lusa
Coimbra, 24 abr 2019 (Lusa) -- Uma equipa internacional de investigadores mediu, pela primeira vez, "o mais longo tempo de vida média de sempre de um isótopo radioativo registado por um aparelho de medida", anunciou hoje a Universidade de Coimbra.
"O isótopo em causa é o Xe 124 e o seu tempo de vida média é aproximadamente um bilião (milhão de milhões) de vezes mais velho do que o Universo", afirma a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) numa nota enviada hoje à agência Lusa.
Este "facto extraordinário", sublinha a Faculdade, foi alcançado por uma equipa internacional de investigadores que integra seis cientistas da FCTUC e será tema de capa da edição de quinta-feira da Nature, "a mais prestigiada de todas as revistas científicas".
O Universo tem cerca de 14 mil milhões de anos, "um período de tempo inconcebível quando comparado com a escala da vida do ser humano", destaca a FCTUC.
Como se isso só por si não causasse "assombro suficiente", existem "isótopos radioativos (elementos instáveis que se transformam ao fim de algum tempo emitindo radiação) cuja vida média acontece em escalas muito maiores do que a da existência do próprio Universo", acrescenta.
"O facto de conseguirmos medir diretamente um processo tão raro quanto este demonstra o alcance extraordinário do nosso sistema de medida, mesmo quando ele não foi feito para medir estes eventos, mas sim matéria escura", salienta José Matias, coordenador da equipa portuguesa neste "esforço internacional".
Esta medição, realça a FCTUC, só foi possível graças ao sistema XENON1T, "o instrumento mais sensível alguma vez produzido" para a deteção de matéria escura, instalado no Laboratório Nacional de Gran Sasso, em Itália, que é "o maior laboratório subterrâneo a nível mundial, debaixo de 1.300 metros de rocha para blindar o sistema dos raios cósmicos existentes à superfície".
O estudo que a Nature vai publicar mostra que, afinal, "o XENON1T também era capaz de medir outros fenómenos físicos raros, como a dupla captura eletrónica. Neste caso, o núcleo captura dois dos eletrões que o orbitam no átomo, transformando dois dos protões que o constituíam em neutrões e emitindo radiação na forma de dois neutrinos", refere José Matias, investigador do Laboratório de Instrumentação, Engenharia Biomédica e Física da Radiação (LIBPhys) da FCTUC.
"A energia libertada neste processo forma o sinal que o sistema regista, apesar da extrema dificuldade em serem detetados pela sua raridade, podendo em geral ser mascarados pela omnipresente radiação 'normal'", afirma ainda, citado pela FCTUC, o cientista, que também é vice-presidente do Instituto Superior de Engenharia de Coimbra.
"Só com o conhecimento detalhado das fontes da radiação registados pelo detetor foi possível observar 126 eventos de dupla captura eletrónica do isótopo Xe 124 e, assim, determinar pela primeira vez o seu tempo de vida médio de 2,5 x 1.022 anos (25 mil milhões de biliões de anos)", sustenta a FCTUC.
Este é "o processo físico mais longo alguma vez medido diretamente pela Humanidade. Na realidade, existe um registo de fenómeno com vida média mais longa (isótopo Te 128) no Universo, mas que foi inferida indiretamente de outro processo", adianta ainda a FCTUC.
Para já -- conclui a Faculdade --, "não é possível prever quais as implicações desta descoberta que abre novos horizontes no conhecimento humano".
O consórcio XENON é constituído por 160 cientistas de 27 grupos de investigação dos EUA, Alemanha, Portugal, Suíça, França, Holanda, Suécia, Japão, Israel e Abu Dhabi. Portugal é parceiro desta colaboração desde o seu início, em 2005, através da equipa do LIBPhys.
JEF // SSS
Lusa/Fim