Jornalismo, cinema e observação entre inspirações da escritora Leila Slimani

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Porto Canal com Lusa

Porto, 22 set (Lusa) -- A escritora franco-marroquina Leila Slimani, vencedora do Prémio Gouncourt em 2016 pelo romance "Canção Doce", contou à Lusa que as principais inspirações para a escrita passam pelo cinema, o jornalismo e a observação, "através de uma janela distante".

Aos 36 anos, a escritora e jornalista vive o melhor momento da carreira, com o Prémio Goncourt em 2016 a abrir à autora as portas de traduções e adaptações para o cinema, e com este seu segundo romance a vender mais de 600 mil cópias em França.

O próximo romance está a ser escrito, a par de projetos no cinema, e uma adaptação francesa de "Canção Doce" está já preparada, com outra norte-americana a caminho, sendo que o que procurou abordar até hoje, nas suas obras de ficção, foi "a complexidade da vida da mulher moderna", explicou à Lusa, à margem da presença na Feira do Livro do Porto.

Depois de ter trabalhado como jornalista, em que cobriu a Primavera Árabe na Tunísia, e de ter tido aulas de representação, com vontade de trabalhar no cinema, a franco-marroquina ingressou num curso de escrita, depois de uma tentativa de romance falhada, e acabou por depurar o estilo que acabou por consagrá-la.

"O meu editor [Jean-Marie Laclavetine, da Éditions Gallimard] disse-me para não dizer o que uma personagem pensa, mas o que ela faz. Defino-me como uma existencialista, sou uma grande admiradora de Simone de Beauvoir e de Jean-Paul Sartre, e considero que somos definidos pelo que fazemos e não pela raça, a religião ou até pelos nossos sonhos", contou.

Por outro lado, a noção de se focar nas ações, em vez de descrever pensamentos, vem também de considerar o leitor "inteligente e capaz de concluir o que uma personagem é a partir do que ela faz", e de abordar a escrita com um olhar "como se, através de uma janela, ao longe, e descrevendo" as personagens e o que fazem.

"Sou muito influenciada pelo cinema, especialmente quando escrevo. Vou ao cinema todos os dias, vejo a matiné das 10:00 todos os dias em Paris. Vejo bons filmes, maus filmes, apenas para observar. É muito fácil, ao escrever, dizer: 'vou ser psicólogo e contar o que as pessoas estão a pensar', mas penso que por vezes é preciso optar antes por uma abordagem de observação", refletiu.

Além do cinema, também a carreira como jornalista, em que foi repórter durante a Primavera Árabe na Tunísia, mas também em Marrocos e na Argélia, contribuiu para a escritora que é hoje.

"Quando tens pouco tempo para escrever algo, a única forma de poder transmitir a atmosfera que se vive é observar, ser silenciosa e olhar para tudo, especialmente para os pequenos detalhes: como caminham, comem, se fumam ou não, que tempo faz naquele dia, onde estão as crianças e onde estão os mais velhos. Os pequenos detalhes dizem muito sobre política, sociologia e economia", comentou, em entrevista à Lusa.

Questionada sobre o papel da tradução na difusão da obra, a escritora assume que só começou a pensar no tema depois de começar a ser publicada, uma vez que antes podia ler "Lev Tolstoi ou Philip Roth de forma natural", mas considera o processo de tradução "fascinante".

"Graças a tradutores, podes falar com quem não te entenderia na tua língua. Claro que se perdem algumas coisas, mas, por outro lado, agradeço todos os dias aos meus tradutores, porque me dão o mundo, a possibilidade de chegar a Japão, China, Portugal ou Estados Unidos", apontou à Lusa.

Tanto "No Jardim do Ogre", o seu primeiro romance, publicado em 2014, como "Canção Doce", de 2016, ambos editados em Portugal pela Alfaguara, tratam de conflitos interiores de desejo, intimidade e de um sentimento de aprisionamento no dia-a-dia.

O livro que lhe valeu o Goncourt há dois anos, começa com a morte de duas crianças às mãos da ama 'perfeita', como a descreviam os pais, num 'choque' para os leitores, entrando depois na desconstrução da relação do trio de adultos e a proximidade entre eles.

"A intimidade é impossível. Pensamos que vamos construir isso, mas quanto mais velhos ficamos, mais tomamos consciência de que nunca se é íntimo com ninguém. A intimidade é uma ilusão. Pode acontecer, mas por uns minutos ou umas horas. Durante a maior parte da vida, estás sozinho, sem capacidade de expressares o que sentes", comentou.

Com a escrita, explicou, o objetivo é "mostrar o que está por detrás do sorriso e de dizer 'é preciso ser forte' e seguir com a vida", algo que não é fácil na vida mas "a literatura pode ir além disso".

A autora, que escreveu ainda um livro de não ficção a partir de dezenas de entrevistas com mulheres marroquinas sobre as suas vidas sexuais ("Paroles d'honneur"), acredita no poder da literatura, "a coisa mais bonita do mundo", que "vai sobreviver a tudo, desde guerras à estupidez", pois "está muito acima e é mais forte do que nós".

"Sexe et mensonges: La vie sexuelle au Maroc" e "Le diable est dans les détails", uma recolha de seis artigos escritos para o jornal Le Un, entre 2014 e 2016, são outros títulos de não ficção, de Leila Slimani.

Além das relações de intimidade e de poder no domínio do lar, há também em "Canção Doce" "o mais universal e animal dos medos que os humanos podem experienciar, que é perder os seus bebés, e que a pessoa em que mais confiamos seja quem mata os nossos amados".

"É um prazer sádico ler sobre algo que é como que um pesadelo. Um pouco como ver um filme de terror, tens medo mas queres ver. Porque há prazer no medo, e por isso é que contamos histórias às crianças, que estão sempre à espera do lobo ou do ogre", explicou.

SIYF // MAG

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