Rasto do dinheiro e procura são essenciais para combater tráfico de pessoas

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Porto Canal com Lusa

Lisboa, 29 jul (Lusa) -- A coordenadora da União Europeia (UE) contra o tráfico de seres humanos considera que há um excessivo foco nas vítimas, sendo fundamental seguir o rasto do dinheiro e lidar com a procura.

Em entrevista à Lusa, via telefone, a propósito do Dia Mundial Contra o Tráfico, que as Nações Unidas assinalam a 30 de julho, a coordenadora da UE, Myria Vassiliadou, sublinha que dizer que uma pessoa foi traficada significa que "alguém a comprou, alguém a vendeu e alguém usou os seus serviços".

Correndo o risco de "parecer sem coração", a responsável sublinha que "já é um pouco tarde para as vítimas", sendo fundamental recordar que "o tráfico é só sobre dinheiro, astronómicas quantias de dinheiro, e procura dos serviços das vítimas".

E -- destaca -- nem todo o dinheiro envolvido é ilegal. Por exemplo, se uma menina vem da Líbia num barco para Itália, depois alguém a põe num autocarro, terá de ficar nalgum lado durante a noite e o traficante pagará a um hotel. "Quem está a fazer dinheiro, legal, com a situação? Não falamos sobre isso. Há muitas questões que devíamos fazer e não fazemos", condena.

"Devemos pensar um bocadinho mais nas coisas e parar de pensar apenas 'estas crianças são vulneráveis', mas começar a perguntar quem está a abusar delas, quem está a usar os seus serviços e quem está a fazer dinheiro com elas", sustenta, frisando: "se passarmos por alguém traficado na rua e seguirmos caminho, somos parcialmente responsáveis".

"Se nos cruzamos com uma jovem nigeriana de 13 anos nas ruas de uma capital europeia, como Lisboa, ela é "apenas" uma jovem de 13 anos desafortunada. As perguntas que não fazemos são 'quem a vendeu?', 'quem a comprou?', 'quem usou os seus serviços sexuais?', 'quem a violou'?", lamenta Myria Vassiliadou.

"A polícia está mais alerta do que antes, mas, às vezes, (...) só encontramos aquilo que procuramos. Não estamos a procurar vítimas o suficiente", considera. "Muito poucas vítimas são identificadas pelas autoridades", reconhece.

Este é um dos "grandes problemas" que o combate ao tráfico de pessoas enfrenta. O outro é a falta de investigação ao rasto do dinheiro. A Europol fala em 30 mil milhões de euros, apenas na Europa, naquele é o segundo tráfico mais lucrativo do mundo, só atrás do comércio ilegal de armas.

Segundo a polícia europeia, comprar uma criança, nos dias de hoje, custa entre quatro a oito mil euros, mas "as boas crianças" podem chegar aos 40 mil euros. "Como é que se pode comprar uma criança, em dinheiro, por 40 mil euros, dá-los a outra pessoa e ninguém investigar esse dinheiro", interroga Myria Vassiliadou.

Por outro lado, sublinha a coordenadora, deve questionar-se o que está o sistema a fazer para pôr essas pessoas atrás das grades. "As acusações e condenações são muito baixas para o que a situação exige. Por que não estão presas essas pessoas", pergunta.

"Em todos os crimes no mundo, (...) o envolvimento é punido com sanções (...), mas, se for tráfico de seres humanos, e souber disso, não há penalização em muitos Estados-membros", alerta.

Vassiliadou compara com a compra de uma mala na rua, sabendo que é falsa ou roubada. "Serei punida, mas, se comprar uma nigeriana de 19 anos, não pago multa", repara. "A lei deve existir para dizer o que se pode ou não fazer. Não é certo roubar, mesmo que se diga 'não sabia que era teu'. Que mensagem passamos, como sociedade, quando não criminalizamos isto", questiona.

"Estamos todos envolvidos e somos todos responsáveis. (...) Às vezes acho que optamos por não falar disso, não ver isso, porque é demasiado desconfortável", observa.

"O que faz o tráfico acontecer (...) são os lucros astronómicos, as astronómicas quantias de dinheiro, para os criminosos e também para a economia legal, e a procura por vítimas", destaca.

O que as vítimas têm em comum é serem vulneráveis -- "podem ser pobres, podem estar a fugir da guerra, podem ser crianças ou mulheres de contextos familiares violentos" --, mas "o tráfico não acontece por as pessoas serem vulneráveis", frisa.

"Os Estados-membros estão a fazer um bom trabalho", avalia, sublinhando que todos, exceto a Alemanha, verteram a legislação comunitária para as leis nacionais. "Já fizemos um grande caminho, nos últimos quatro ou cinco anos. Há mais esforços em curso, mas não significa que seja suficiente", diz Myria Vassiliadou.

Os relatórios não concluem que existe uma relação entre a vaga de migrantes e refugiados e um aumento no tráfico de seres humanos, mas há hoje "mais pessoas vulneráveis" e, portanto, "quem quer explorar, terá terreno mais fértil para isso", assinala. "Não significa que cada refugiado é traficado, temos de ser claros, mas quer dizer que as pessoas ficam mais frágeis", reafirma.

SBR // VM

Lusa/Fim

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