FC Porto: O Mestre que ainda nos fascina
Porto Canal
José Maria Pedroto faleceu a 7 de janeiro de 1985.
A 7 de janeiro de 1985, com os diários de Miguel Torga à cabeceira e depois de não ter conseguido desfrutar dos três últimos pedidos - um cálice de whisky, um cigarro e um sumo de laranja -, José Maria Pedroto morreu na casa onde vivia, quase ao lado do Estádio das Antas.
Quatro décadas volvidas, permanece bem vivo no espírito de todos os que com ele lidaram e o admiraram, mas também na memória coletiva de um povo que se revê no exemplo de competência, comprometimento e dignidade do Mestre. Jogador brilhante e treinador extraordinário, impulsionador, com Jorge Nuno Pinto da Costa, de um verdadeiro 25 de abril no futebol português, Pedroto viveu pouco, mas deixou-nos muito. De Almacave ao Porto, com passagens por Matosinhos, Vila Real de Santo António, Lisboa, Coimbra, Póvoa de Varzim, Setúbal e Guimarães, esta é a história de um homem extraordinário que não teve tempo para cumprir o desejo de escrever um livro.
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Para lá do campo
José Maria Pedroto foi muito mais do que um jogador e um treinador de futebol. Leitor compulsivo, cidadão comprometido, dirigente sindical e candidato a deputado constituinte, nunca se calou perante a asfixia que o centralismo, a partir de Lisboa, impunha ao resto do país. Deixou isso bem claro quando afirmou que era “tempo de acabar com a centralização de todos os poderes na capital e de permitir que na província as pessoas se sintam menos relegadas ao esquecimento”.
1928: José Maria de Carvalho Pedroto nasce em Almacave, Lamego, a 21 de outubro; era o 11.º filho do militar Alfredo Pedroto e de Quitéria de Carvalho, a primeira mulher a frequentar o Liceu de Lamego, e foi batizado como José Maria em homenagem a Maria José, uma irmã que morrera antes do seu nascimento.
1936: Depois da morte inesperada de Alfredo Pedroto, José Maria e a família mudam-se para o Porto e instalam-se na Rua da Constituição; Pinga torna-se o primeiro ídolo do miúdo que faltava às aulas para assistir a treinos do FC Porto.
1944: Pedroto e um grupo de amigos fundam o Futebol Clube de Pedras Rubras.
1946: José Maria Pedroto ingressa nos juniores do Leixões.
1949: Pedroto cumpre serviço militar no Algarve e joga pelo Lusitano de Vila Real de Santo António, que na altura disputava a I Divisão.
Um galáctico precoce
Para contratar Pedroto ao Belenenses, em 1952, o FC Porto pagou 335 contos ao clube e 150 ao jogador. Estes 485 contos, a preços de hoje, equivalem a cerca de 150 mil euros. Até àquela data, a maior transferência da história do futebol português tinha sido feita por pouco mais de metade deste valor, 250 contos, que foi quanto o Benfica pagou para contratar Fernando Caiado ao Boavista.
1950: Com um emprego no Ministério da Marinha, Pedroto muda-se para o Belenenses.
1952: Em abril, Pedroto estreia-se pela seleção nacional; no verão, muda-se para o FC Porto, a troco de uma verba recorde de 485 contos.
1954: José Maria Pedroto frequenta e conclui com excelente classificação o curso de treinador da Associação de Futebol do Porto, dirigido por Cândido de Oliveira.
1956: Com Dorival Yustrich como treinador e com Pedroto a brilhar no meio-campo, o FC Porto quebra um jejum de 16 anos sem vencer o campeonato e conquista a primeira dobradinha.
Especialista em quebrar jejuns
Encerrar ciclos negativos foi uma das especialidades de Pedroto como jogador e como treinador do FC Porto. Em 1956, contribuiu para a conquista do título de campeão nacional, que escapava há 16 anos. Em 1968, já como treinador, venceu a Taça de Portugal e quebrou uma sequência de nove anos sem troféus. Em 1977, com o triunfo na mesma competição, colocou um ponto final em mais um ciclo de nove anos sem títulos. Em 1978, ao ser campeão nacional, encerrou um jejum de 19 anos. E em 1979, ao renovar esse estatuto, tornou o FC Porto bicampeão, algo que não acontecia desde 1940.
1958: O FC Porto termina o campeonato em igualdade pontual com o Sporting, mas são os lisboetas que vencem o título; os azuis e brancos vencem o Benfica na final da Taça de Portugal.
1959: Novo campeonato em que os dois primeiros terminam com os mesmos pontos, mas desta vez o campeão é o FC Porto, apesar dos esforços de Calabote para entregar o título ao Benfica; a 29 de março, Pedroto é homenageado no Estádio das Antas.
1960: Pedroto encerra a carreira como jogador, tira um novo curso de treinador em França e começa a treinar nas camadas jovens do FC Porto e da seleção nacional.
1961: Com Pedroto como treinador, Portugal conquista o título europeu de juniores, o primeiro da história das seleções nacionais.
O princípio e o fim
O primeiro jogo de José Maria Pedroto como treinador do FC Porto foi disputado na Póvoa de Varzim, a 18 de setembro de 1966, e terminou com uma vitória azul e branca por 3-0, com dois golos de Djalma e um autogolo de Sidónio. O último realizou-se em Penafiel, a 4 de dezembro de 1983. O FC Porto venceu por 1-0 com um golo de Bobó.
1962: José Maria Pedroto estreia-se na I Divisão como treinador da Académica.
1964: Após duas épocas em Coimbra, Pedroto assina pelo Leixões, mas não chega a terminar a época.
1965: Pedroto assume o comando do Varzim, que cumpria a segunda época na I Divisão.
1966: Pela primeira vez, Pedroto cumpre o objetivo de treinar o FC Porto.
1968: O FC Porto derrota o Vitória de Setúbal na final da Taça de Portugal e Pedroto conquista o primeiro troféu da carreira como treinador de clubes.
Mais reconhecimento internacional
A 20 de novembro de 1974, Portugal estreava-se na qualificação para o Euro’76 frente à Inglaterra, em Wembley. Nos dias anteriores, a imprensa britânica não escondeu que contava com uma vitória por goleada. O que os ingleses não sabiam era que José Maria Pedroto tinha preparado com todo o pormenor o primeiro jogo oficial enquanto selecionador, ao ponto de ter estudado as prestações do adversário durante os 20 anos anteriores. A exibição portuguesa e o empate a zero causaram espanto, e até Eric Hobsbawm, um dos mais importantes historiadores do século XX, veio a comentar: “Sem entender a sociedade dificilmente se poderá ser um treinador de excelência. Só um conhecedor do futebol inglês e da sua história, como o demonstrou ser o treinador português, poderia bloquear daquela forma o futebol bastante previsível da Inglaterra”.
1969: A dois jogos do fim de uma época em que esteve perto de conquistar o campeonato, Pedroto deixa o FC Porto em conflito com o presidente Afonso Pinto de Magalhães e assina pelo Vitória de Setúbal.
1974: Depois de ter conduzido os sadinos em cinco campanhas europeias brilhantes, Pedroto muda-se para o Boavista e acumula a função de selecionador nacional.
1975: A 25 de abril, realizam-se as primeiras eleições democráticas, para a Assembleia Constituinte, e José Maria Pedroto é candidato pelo PPD num lugar simbólico; em junho, o Boavista de Pedroto vence o Benfica na final da Taça de Portugal.
A adesão de Setúbal à comunidade europeia
Nas quase cinco épocas que passou em Setúbal, José Maria Pedroto conduziu o Vitória em três campanhas na Taça UEFA e em duas na competição antecessora desta prova, a Taça das Cidades com Feiras. Passou sempre, pelo menos, duas eliminatórias, tendo atingido os quartos de final em três ocasiões e os oitavos em duas. Entre os adversários eliminados encontram-se equipas tão poderosas como o Liverpool, o Inter de Milão, a Fiorentina, o Anderlecht e o Leeds United.
1977: Na primeira época da segunda passagem pelo FC Porto, Pedroto torna-se o primeiro (e até hoje único) treinador a vencer a Taça de Portugal em três épocas consecutivas, ao bater o Braga numa final jogada em casa; entretanto, deixa a seleção nacional.
1978: Pedroto conduz o FC Porto ao título de campeão nacional, quebrando um jejum de 19 anos do clube sem conquistar a principal competição interna.
1979: Trinta e nove anos depois, o FC Porto de Pedroto volta a ser bicampeão.
1980: Pedroto e Jorge Nuno Pinto da Costa deixam o FC Porto durante o Verão Quente, em conflito com a direção presidida por Américo de Sá; o treinador é contratado pelo Vitória de Guimarães.
Um contrato em branco e uma suite no Altis
Em 1982, Pedroto ainda estava ao serviço do Vitória de Guimarães quando o Benfica quis contratá-lo. O presidente encarnado, Fernando Martins, esteve na casa do treinador, no Porto, para apresentar uma proposta que poucos recusariam: Pedroto poderia ganhar o que quisesse e ainda lhe seria disponibilizada uma suite no Hotel Altis. Mesmo assim, o convite foi rejeitado. Ainda que com condições contratuais piores, o objetivo de Pedroto era regressar ao FC Porto.
1982: Jorge Nuno Pinto da Costa é eleito presidente do FC Porto e Pedroto assume o cargo de treinador do clube pela terceira vez, rejeitando convites do Benfica e do Sporting.
1983: Em dezembro, um problema oncológico obriga ao afastamento de José Maria Pedroto do banco, mas o Mestre mantém a função de treinador do FC Porto até ao final da temporada; o clube vence a Supertaça e a Taça de Portugal.
1984: Em junho, o Presidente da República condecora José Maria Pedroto com o grau de oficial da Ordem do Infante D. Henrique; em novembro, António Ramalho Eanes visita Pedroto em casa.
1985: José Maria Pedroto morre a 7 de janeiro, menos de três meses depois de ter completado 56 anos de idade; a cidade do Porto despediu-se do Mestre com uma impressionante mobilização popular nas cerimónias fúnebres.
Para sempre
Quarenta anos depois de ter falecido, José Maria Pedroto continua a ser objeto de diversas homenagens. O antigo jogador e treinador recebeu, a título póstumo, o grau de grande-oficial da Ordem do Mérito, atribuído pelo Presidente da República Mário Soares. O FC Porto dedicou-lhe um busto instalado no Estádio das Antas e posteriormente transferido para o Dragão, onde o auditório das conferências de imprensa também tem o seu nome. Além disso, já há dez ruas, avenidas e pracetas designadas José Maria Pedroto em vários pontos do país: Almada, Amadora, Carrazeda de Ansiães, Lamego, Maia, Odivelas, Oeiras, Porto, Sintra e Vila Nova de Gaia.