Adaptação de "Amor de Perdição" revisita romance "icónico" de Camilo em palco no Porto
Porto Canal / Agências
Uma adaptação do romance "Amor de Perdição", do escritor português Camilo Castelo Branco, estreia-se na quinta-feira, no Teatro Carlos Alberto, no Porto, numa encenação de Maria João Vicente fiel ao original, com ecos no presente.
Escrito em 1861 por Camilo Castelo Branco, quando este se encontrava preso por adultério na Cadeia da Relação do Porto, “Amor de Perdição” conta a “paixão proibida” entre os protagonistas Simão Botelho e Teresa Albuquerque, filhos de duas famílias inimigas de Viseu, “que preferem morrer a desistir do amor que os une”, como se lê no dossiê pedagógico da peça, vocacionada para o público em geral, mas também com componente escolar.
A peça abre com nove atores em palco - cinco atrizes e quatro atores - num cenário onde se destaca uma espécie de estrada branca que sai do chão e fica em suspenso no ar.
A forma lembra uma curva que termina num precipício, e termina ao som da música "Where is my love", de Cat Power, e que serve de pano de fundo à tragédia da morte dos protagonistas e de Mariana, uma rapariga do povo, que sente por Simão Botelho um amor absoluto, mas que se torna intermediária das cartas de amor trocadas entre o casal de apaixonados, decidindo também ela morrer depois de ver o seu amado morto.
A peça, tal como o original, não tem um final feliz, resume Maria João Vicente.
“É um pouco como um Romeu e Julieta português, ou seja, é um final trágico, mas que de alguma forma nos dá que pensar sobre estas possibilidades e estas formas de amor. Um amor leal do ferreiro ao homem que o ajudou, um amor fraternal da Mariana, que não conseguindo concretizá-lo de outro modo se contenta com essa situação, o amor apaixonado e intenso que vence tudo, contra tudo e contra todos e que termina na morte. Um amor de um pai por uma filha, e até que ponto é que isso pode ser também uma prisão”, afirmou a encenadora.
Em “Amor de Perdição” há um sentido trágico e o amor tem um caráter performativo, porque não trata apenas de um sentimento íntimo e individual, mas antes de um “ato público que molda a realidade e define os destinos das personagens”, explicou a encenadora.
À Lusa, Maria João Vicente assume que foi um desafio e uma responsabilidade trabalhar esta “obra icónica" da literatura nacional, referindo que a ideia é mostrar o espetáculo tanto ao público em geral, como realizar sessões para alunos do 11.º ano, uma vez que é “uma leitura aconselhada” para estudantes daquele nível escolar.
A encenadora explicou que decidiram ser fiéis ao romance: "Tentámos ser fiéis à obra do Camilo na sua estrutura, na sua linguagem e na diversidade de planos que a constroem, ou seja, o romance tem partes dialogadas, mas também tem partes de narração que são importante”, porque o “Camilo também tece algumas críticas ao seu tempo”.
A encenadora destaca temáticas no romance do século XIX que são atuais, designadamente a questão do amor vivido à distância por Teresa e Simão, através de cartas, e que pode ser comparado aos amores vividos virtualmente nos dias atuais.
“A questão do amor que não se consuma, um amor à distância. Acho que nesta era em que o virtual entrou nas nossas vidas de uma forma avassaladora, também é interessante pensar que a Teresa e o Simão consumam o seu amor não de uma forma convencional, mas através de cartas, numa distância física”, afirmou.
A peça traz também a reflexão sobre o amor como revolução, ou seja, como “possibilidade de mudança”.
“Há coisas que eu acho que são perfeitamente atuais, portanto não é só uma questão de uma determinada época. Acho que são perfeitamente atuais”, considera, questionando sobre se o amor “protege e liberta”, ou se o “amor, por outro lado, pode aprisionar”.
A peça, para maiores de 14 anos, é uma coprodução do Teatro do Bolhão com o Teatro Nacional São João, em parceria com a Casa de Camilo, e conta com a dramaturgia e adaptação de Constança Carvalho Homem.
Na interpretação conta com Anabela Sousa, Bernardo Gavina, João Cravo Cardoso, Leonor Reis, Mariana Sevila, Matilde Cancelliere, Pedro Couto, Rita Reis e Vicente Gil.
O desenho de luz é da responsabilidade de Pedro Vieira Carvalho, a sonoplastia de João Pinto Félix, a cenografia de Cátia Barros e os figurinos de Lola Sousa.
Em cena até 10 de novembro, “Amor de Perdição” vai ter sessões para escolas nos dias cinco, seis e sete desse mês.