O abraço que tocou o Porto. A história de António, o “rosto” do dia em que o orgulho deu as mãos à solidão

O abraço que tocou o Porto. A história de António, o “rosto” do dia em que o orgulho deu as mãos à solidão
| Porto
João Nogueira

Chama-se António Fernandes, tem 80 anos, e vive numa pequena casa junto à Rua de Cedofeita, no Porto. Foi ali que, no sábado passado, se fez palco de um dos momentos mais impactantes da marcha LGBTQIA+ deste ano, quando o idoso abraçou a bandeira da comunidade de lágrimas nos olhos. Num enredo onde os ativistas eram atores de uma peça sobre amor e direitos, António foi o protagonista inesperado. Aquele abraço não só simbolizou apoio à causa, mas também lançou luz sobre a solidão que acompanha o envelhecimento, fazendo de António o herói silencioso da história.

 
 
 
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Foi no passado sábado que um grupo de ativistas cortou o percurso habitual da marcha Mais Orgulhosa do Porto. E fizeram-no sem saber que, durante esse trajeto, iriam viver o momento que ficou marcado como “o rosto” do evento deste ano. Foi quando sentiu que o movimento na rua se aproximava que António espreitou da porta de um café e animou-se pela histeria e animação da marcha.

As bandeiras sensibilizaram o homem que não tardou a ir até casa, do outro lado da rua, para levantar também uma bandeira: “Lembrei-me que tinha uma bandeira de Portugal, vim e meti-me na porta a abaná-la”, contou o idoso ao Porto Canal.

O instinto foi de “querer participar” e o que se seguiu foi inesperado. Na emoção do momento, António chamou uma jovem ativista que abraçou e com quem trocou as bandeiras.

Abraçado à bandeira LGBTQIA+, António não conteve as lágrimas e o momento captado pela lente da agência Lusa rapidamente se espalhou pelas redes sociais. “Não tenho noção se marcou as pessoas, mas a mim marcou-me”, confessa-nos António.

Porto Canal

Manuel Fernando Araújo, Agência Lusa

O ato “foi de apoio”, garante o homem, até porque “cada qual é como é e somos todos iguais”. “A alegria que tive neste momento. Chorei”, relembrou, ainda emocionado ao olhar para a fotografia que lhe foi oferecida no decorrer desta reportagem.

Porém, mesmo tendo atingido milhares de pessoas, o momento grita um sentimento de pertença, de alegria e também um retrato da solidão como consequência do envelhecimento.

Atrás daquela porta, cuja imagem correu o país, António é o retrato de uma condição que atinge muitos outros como ele. Vive sozinho, mas as paredes do seu lar estão cheias de memórias de uma vida partilhada e cheia de amor. “Memórias que preservo”, salienta.

Ainda não era maior de idade quando chegou ao Porto para trabalhar. Transmontano, natural de Carrazeda de Ansiães, viveu uma vida de trabalho entre a Igreja da Lapa e a entrega porta a porta de jornais como o Comércio do Porto e o Primeiro de Janeiro.

Foi nesses trabalhos que lidou "com muita gente” de todas as cores. “Dei de frente com isso”, partilhou, acrescentando que sempre abraçou a diferença: “Todos temos o sangue da mesma cor. Somos iguais”.

Não é homossexual. “Nem precisa” para apoiar e respeitar a causa que, no sábado, o fez voltar a sentir-se “abraçado” e a “celebrar”.

Ainda com um olhar emocionado, preso na fotografia que eternizou o seu gesto na marcha, António recorda: “Senti-me abraçado por todos eles”. Após um suspiro, diz: “Estão a ver esta fotografia? Quero levá-la para o meu caixão”.

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