Novo mural de Rigo 23 é um "elogio" ao "elemento intrínseco" de Gaia, a água
Porto Canal com Lusa
Vila Nova de Gaia, Porto, 28 set (Lusa) -- O artista português Rigo 23 pintou esta semana um mural no centro histórico de Vila Nova de Gaia, uma "chamada de atenção para a importância da água" e um "elogio" à mesma, que é um "elemento intrínseco da cidade".
Os turistas e transeuntes iam passando despercebidamente por mais uma obra do madeirense, talvez pela presença de andaimes, indicadores de trabalho não-concluído, e pelos indicadores percentuais de "83%, 75% e 71%" que acompanhavam as silhuetas de um cérebro, coração e planeta, respetivamente.
"A obra é uma reflexão sobre a água e a omnipresença da água, ao rio que juntou estas duas populações [Porto e Vila Nova de Gaia], como um meio de comunicação. (...) Estas são as percentagens de água. O cérebro humano tem 83% água, 75% do coração é água e 71% do planeta é água. É uma chamada de atenção para a importância da água", contou à Lusa, o muralista radicado nos Estados Unidos da América (EUA), primeiro em São Francisco, agora em Los Angeles.
Inserido no âmbito da exposição "Não é ainda o mar", da segunda edição do fórum internacional GTM - Gaia Todo um Mundo, o mural "73% água 71% água" tem "dois momentos": um para o Porto - uma pintura da palavra "Água" em letras negras sobre um fundo amarelo, direcionado para a ribeira portuense - e "outro mais intimista", o tal que se encontra na estreita Rua da Barroca, de Gaia, e contém os valores percentuais.
"É uma maneira de encontrar pontos comuns, uma ligação ao tempo, de uma natureza muito mais lenta e cíclica. Neste tempo, vivemos de forma oprimida no momento presente, há um excesso de foco no presente e isso impede de ter uma perspetiva. Esta cidade tem um tempo enorme, as pessoas vivem neste local há séculos", analisou.
Vincou a "sensação de pertença" e a "ligação enraizada" que as pessoas parecem ter com a cidade da qual, quando vista do outro lado, saltam à vista as marcas de Vinho do Porto, que teve uma "produção artesanal e industrial", era uma indústria "local e agora internacionalizada".
"Agora, entre estas diferentes marcas de Vinho do Porto há uma parede que diz simplesmente 'Água'. É uma obra de arte que ganha um significado em dias de chuva e outro em dias de sol. Mas as duas paredes são duas pistas e a junção das duas coisas é que faz a obra em si. O cérebro tem a conotação de raciocínio frio. O coração é mais afetivo e emocional. E o planeta é a nossa casa. No fundo [a mensagem] é: pensa, sente, Terra, água, estamos todos juntos", esclareceu.
Esta é uma continuação daquilo que têm sido os trabalhos do artista da primeira geração do movimento "Mission School", de São Francisco, muito focado em causas ambientais e em preocupações políticas, "usando o humor como ponto de entrada", e que conta com instalações de sucesso por todo o mundo, assim como distinções internacionais.
"Nos EUA, tenho trabalhado com comunidades indígenas e presos políticos, o que é um choque mais frontal. Mas aqui, a minha preocupação era tentar enquadrar-me, estando cá de passagem. Embora tenha afinidade ao país, não deixo de ser uma pessoa de fora e numa palete limitada. Tentei acrescentar sem ferir, sem agredir", afirmou.
A água é também um "elemento antagónico" ao discurso nacionalista e bairrista da atual liderança política americana, que classificou como "estridente", e disse não querer só "reagir", porque se o fizer está dependente de "impulsos externos", mas tentar "encontrar um centro de gravidade forte que suporte os esticões desmesurados e ideológicos, que não são baseados no senso e bem comum".
Criticou a "fase de capitalismo fundamentalista", na qual "aspetos da vida humana são vistos de um prisma monetarista", algo que leva "a erros", procurando fazer o paralelismo com a inveja humana de alguém ganhar mais dinheiro do que o outro.
Falando do futuro, o pintor de 52 anos apontou a filha, nascida há três, como causa de "uma série de mudanças a nível pessoal", querendo agora "viver o facto de ter dois mundos e dois contextos", mas admitiu querer "dedicar o resto do tempo a incentivar um diálogo intercultural horizontal, de curiosidade mútua e respeito mútuo".
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