Autarcas das freguesias querem deixar de ser "parente pobre" do poder local
Porto Canal com Lusa
A falta de meios e o voluntarismo nas juntas de freguesia para responder às populações foram hoje apontados por autarcas, em Viseu, que querem ver a descentralização acabar com o estatuto de “parente pobre” do poder local.
Atualizado 28-01-2018 11:36
“Chega de sermos os parentes pobres das autarquias, aquilo que aqui foi dito é uma verdade. O que os municípios transportam para as juntas de freguesia é aquilo que eles não querem fazer, é apanhar o animal que está morto na estrada, é ir desentupir a sarjeta”, afirmou Mário Cantiga.
O presidente da Freguesia de Alhandra, São João dos Montes e Calhandiz, concelho de Vila Franca de Xira, explicou que, “independentemente de ser do distrito de Lisboa, também é uma freguesia esquecida pelo município e pelo Estado português”.
Na sua intervenção no XVI Congresso da Associação Nacional de Freguesias (Anafre), no pavilhão multiusos de Viseu, o autarca defendeu que “urge reverter a reorganização administrativa” das freguesias e que a transferência de competências deve ser acompanhada dos meios financeiros ou, como disse, “é necessário aquilo com que se compram os melões”.
“Não represento Portugal inteiro, represento o Portugal esquecido e ostracizado pelas políticas centralistas a que temos assistido nos últimos anos”, assumiu António Marçal, da freguesia da Lousã e Vilarinho.
O autarca do concelho da Lousã também advogou a necessidade de corrigir os “erros cometidos” com a agregação de freguesias, em 2013, porque “nenhum dos pressupostos foram cumpridos” e “as pessoas estão mais isoladas e cada vez mais sentem-se sozinhas”.
Para António Marçal, é indispensável que se concretize uma “lei-quadro” que assegure meios para as freguesias, nomeadamente através da criação de um “rendimento incondicional”, que permita prestar os serviços básicos às populações, e “a Anafre tem de ser a voz das pequenas freguesias”.
“Uma associação tão nobre devia ter aqui a totalidade das freguesias do nosso país”, apontou José Oliveira Carvalho, da freguesia de Avelãs de Cima, concelho de Anadia, notando que a Anafre possui como associadas “apenas 58%” das freguesias do país.
O eleito independente frisou que nas eleições autárquicas de 01 de outubro “mais 500.000 votos foram atribuídos pelo povo a grupos de cidadãos” e que “a Anafre devia ter o cuidado de ter representantes destes grupos de cidadãos nos órgãos seguintes para a [sua] representatividade”.
A título de exemplo, sublinhou que os grupos de cidadãos obtiveram mais de 300.000 votos do que o CDS-PP e o BE, que estarão representados nos órgãos da Anafre, onde a ausência de independentes poderá ferir “de legitimidade” aqueles órgãos
“Temos que deixar de ser, efetivamente o parente pobre do poder local”, vincou José Oliveira Carvalho, para quem “os eleitos locais precisam de proteção”.
Na abertura do congresso, na sexta-feira, o secretário de Estado das Autarquias Locais, Carlos Miguel, assegurou que o Governo vai avançar com uma proposta para reavaliar a reorganização territorial das freguesias.
“Apresentaremos no início de 2018 uma proposta de lei estabelecendo regras sobre reorganização de autarquias locais, designadamente reorganização de freguesias, contemplando a necessária audição das entidades locais, quer das assembleias municipais, quer das assembleias de freguesia”, afirmou, em novembro de 2017, no parlamento, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita.
A reforma de 2013, promovida pelo PSD/CDS-PP, levou à redução para 3.092 das 4.259 freguesias então existentes.
O congresso da Anafre, que se realiza até domingo, vai eleger os órgãos para o mandato de 2017-2021 e debater temas como a descentralização de competências para as autarquias, a revisão da Lei das Finanças Locais, a reorganização territorial das freguesias e o estatuto do eleito local.