Identidade local não foi protegida nas negociações

| Política
Porto Canal com Lusa

Macau, 11 abr (Lusa) -- O investigador australiano Geoffrey Gunn considera que a identidade local não foi devidamente protegida nas negociações com a China, e que Portugal poderia ter ido mais longe na declaração alcançada dada a presença de mais de 400 anos em Macau.

O acordo para a transferência da soberania para a China foi assinado há 30 anos, a 13 de abril de 1987, pelo então primeiro-ministro português, Cavaco Silva, e o seu homólogo chinês, Zhao Zyang. A transferência efetiva do território aconteceu em dezembro de 1999.

Em entrevista à agência Lusa, o autor de "Encountering Macau: a Portuguese city-state on the periphery of China, 1577-1999", observou que as negociações diplomáticas "extremamente remotas", em Pequim e Lisboa, longe de Macau, "não entraram nas consciências das pessoas, nem em discussão".

"A Declaração Conjunta apenas menciona a língua chinesa, não diz cantonês [língua falada em Macau, Hong Kong e província chinesa de Guangdong], diz chinês, e tanto Macau como Hong Kong estão a ser alvos da influência da China para o uso do mandarim", afirmou o académico.

O investigador que estuda há mais de 20 anos as questões de Macau adianta que essa lacuna foi um "convite" à acelerada aculturação pela China.

"Não houve uma proteção da língua local, e quando se perde a língua local perde-se a identidade local (...) É exatamente isto que os 'localists' em Hong Kong estão a reagir contra", afirmou.

Por outro lado, considera que para Portugal era difícil prever o que se iria passar em Macau após 1999: "Se eles tivessem uma bola de cristal e tivessem antecipado que o mandarim e os turistas do interior da China iriam 'invadir' [Macau], e o 'boom' dos casinos, talvez tivessem protegido mais a identidade e cultura locais".

Geoffrey Gunn considera que "não havia grandes expectativas" de que os portugueses iriam conseguir maiores concessões da China do que as alcançadas, anos antes, pelos britânicos para transferência de Hong Kong, mas nota que o facto de as duas nações terem um passado e uma relação com a China bastante diferentes poderia ser um argumento forte para Portugal "ter ido um pouco mais longe".

Os portugueses administraram Macau durante mais de quatro séculos, uma presença temporal muito maior do que a britânica em Hong Kong, conquistada por ocupação.

"Os portugueses poderiam ter pressionado mais para evidenciar na Declaração Conjunta as especificidades da sua presença em Macau. O resultado é um documento que não reflete o passado do território. Penso que eles devem ter outro igual pronto para Taiwan", afirmou.

As negociações entre Portugal e a China decorreram numa altura em que a democracia portuguesa tinha menos de uma década de vida.

"Depois da Revolução dos Cravos, o rácio do número de deputados eleitos pela via direta em Macau era maior do que em Hong Kong, onde o processo de democratização estava mais atrasado, mas penso que na altura em que a Declaração Conjunta estava a ser discutida a ideia de 'um homem, um voto' congelou, nunca avançou", afirmou Geoffrey Gunn.

A garantia de acesso à "dupla nacionalidade" para mais de cem mil pessoas foi, segundo Gunn, "a grande vitória e grande diferença" de Portugal em relação aos britânicos: "A China apenas aceita uma nacionalidade que é a chinesa, mas permitiu às pessoas em Macau terem passaporte português, por isso foi uma fórmula estranha mas bem-sucedida".

Em contrapartida, argumentou que "os britânicos prepararam realmente a 'localização', ao formarem os serviços públicos para tomar conta [de Hong Kong]".

"Os portugueses estavam ligeiramente atrasados nesta matéria, por isso a transição foi menos suave. De qualquer forma, a qualidade dos serviços públicos de Macau deixa muitos pontos de interrogação", afirmou, notando "a herança negativa" deixada por Portugal.

Nesse aspeto observou que em "Hong Kong já havia muitos bilingues", enquanto em Macau "havia poucos".

"Claro, o aeroporto [deixado pelos portugueses] era excelente, mas não a educação superior, por isso no período pós-transição os serviços públicos eram quase disfuncionais", afirmou.

FV (NVI) // EL

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