Urge treinar como se joga!
Jorge Araújo
Todos os seres humanos possuem cinco inteligências (física, mental, emocional, social e espiritual) que se complementam. O que significa que o esforço de um jogador de futebol (a defender ou a atacar) nunca tem uma expressão exclusiva de uma destas áreas.
Idealmente, qualquer jogador ou equipa têm de estar fisicamente saudáveis, mentalmente focados, emocionalmente positivos (confiantes), socialmente preocupados uns com os outros e dispostos a sacrificarem-se pela equipa e pelos seus objetivos comuns, tal como espiritualmente ambiciosos quanto aos resultados que pretendem alcançar. E tudo isto muito para além do que se diz ou promete, mas expresso a cada momento e oportunidade através de atitudes e comportamentos.
Obviamente, basta que um dos factores atrás expressos, não corresponda ao necessário e, de imediato, equipa ou jogador entram em sobrecarga.
Naturalmente que a propósito da seleção nacional de futebol, perguntará o leitor, “mas como conseguir isso?”.
Depende das circunstâncias e contextos pois estão sempre quatro variáveis a influenciarem a reação final!
A Liderança do treinador (variável decisiva!), as relações (o respeito) entre os jogadores (dinâmica coletiva da equipa), a gestão operacional (o sistema de jogo, quem joga onde e como, as condições existentes previamente na preparação, etc.) e por fim o meio ambiente (o presidente, os adeptos, os orgãos de comunicação social, etc.).
Insistindo, o leitor perguntará de novo, “mas qual destas variáveis é a mais influente?”.
A liderança do treinador!
E sabe porquê?
Porque, sendo verdade que quem joga são os jogadores e quem dirige são os diretores e principalmente o Presidente, é ao treinador que cumpre criar as condições fundamentais para que os jogadores se mobilizem e se sacrifiquem pelo todo, (influenciando, mobilizando a motivação, reconhecendo ou dando feedback negativos, etc.).
E se não o fizer, o meio ambiente e as ambições individuais contra os interesses coletivos da equipa acabam por se sobrepor e “envenenar” a disponibilidade de cada jogador para se entregar ao esforço coletivo.
Moral da história, se fosse verdade que o que dominava num jogo de futebol eram os 4:4:2, 4:3:3 ou os “blocos altos, ou baixos”, todos os adeptos e comentadores seriam treinadores de grande sucesso... O que nunca acontecerá... E eles sabem-no...
Por isso preferem... dar opiniões... após cada jogo...
E sabem porquê? É muito mais fácil!
Liderar jogadores e equipas em contextos competitivos quase sempre sujeitos ao inesperado e a uma oposição dos adversários que “desmonta” as nossas táticas, exige, acima de tudo, sabedoria, ter sentido e vivido a experiência, aprender a fazer, fazendo, constante preocupação com os outros, observar, questionar, dar feedback, etc. ... que não é a mesma coisa que o saber mecanicista que a generalidade dos adeptos e comentadores vão exibindo...
Claro que o leitor naturalmente me perguntará também:
Mas afinal vamos ou não ser campeões europeus?
Depende... Mas uma coisa é certa!
O selecionador nacional Fernando Santos teve toda a razão quando defendeu que temos jogadores com qualidade suficiente para irmos à final do Europeu e aí disputarmos o título.
Se dúvidas existissem, ontem contra a Hungria ficou perfeitamente demonstrado que aquele conjunto de jogadores chega (e sobra!) para o conseguirmos.
Perguntará ainda o leitor, “mas porquê então tantas dificuldades para nos apurarmos e como justificar ficar em terceiro lugar num grupo composto por Hungria, Islândia e Austria?”.
Muito simplesmente porque o futebol é um jogo coletivo onde, ao mais alto nível europeu e mundial, para além da qualidade dos jogadores se impõe prepará-los para que joguem com o foco, a intensidade e a concentração necessárias, tal como formem uma equipa capaz (o mais possível !) de ser eficaz a defender e a atacar.
Finalmente contra a Hungria revelámos a eficácia atacante necessária, principalmente através do ressurgir do Cristiano Ronaldo ao seu habitual nível enquanto goleador. Quanto a possuirmos (até agora) uma equipa coesa e com constante foco nas tarefas de cada jogador, longe disso.
E essa é a questão principal que nos levará (ou não!) à final do Europeu!
Que não restem dúvidas! A defender, como no meio campo e a atacar, temos jogadores que indidividualmente se destacam entre os melhores. Mas falta-nos uma equipa preparada para “não se distrair” e não revelar aqueles estranhos hábitos de alguns jogadores se relaxarem quando o que se lhes exige é total concentração e empenho na luta pela posse da bola (ontem todos os golos sofridos tiveram origem em segundas bolas e ressaltos com reação defensiva tardia).
O que significa que nesses momentos competitivos em que nos acontecem indevidos “descansos físicos, mentais e emocionais”, arriscamos naturalmente comprometer as aspirações legitimamente expressas por Fernando Santos.
E como se joga como se treina, que tal um debate próximo no futebol nacional ao redor da necessidade de se passar a treinar como se joga?