Orquestra desafinada
Jorge Araújo
Tal como a um maestro, ao treinador da seleção nacional de futebol exige-se-lhe que “conduza os músicos” (no caso da seleção nacional os jogadores) de forma a tomarem as suas próprias decisões e improvisarem aqui e ali. Mas tal nunca pode acontecer à revelia de músicos ou jogadores esquecerem o objetivo comum previamente estabelecido e que o todo tem de ser maior que a soma das partes.
Neste caso do Europeu 2016 em curso, temos justificadamente como meta sermos campeões europeus. E para o conseguirmos exige-se à orquestra/seleção nacional a sintonização coletiva necessária.
Vejamos o exemplo de uma banda de jazz.
Os músicos seleccionam primeiro uma estrutura musical à volta da qual vão trabalhar. “Vamo-nos mover entre esta chave musical e aquela”, ou, “vamos começar neste tom e a seguir produzir variações à sua volta”.
São todos responsáveis por, à vez, improvisar e produzir uma variação à volta desse tema. Uma estrutura do tipo “começamos pelo solo de trompete, segue-se a bateria”, segundo uma ordem em que cada músico actua à vez.
Como se pode verificar, os músicos criam previamente determinadas fronteiras a partir das quais improvisam dentro de certos limites. Claro que no treino e preparação que desenvolvem, por vezes instala-se a dúvida quanto ao que fazer a seguir e geram-se naturais confusões e conflitos que urge afinar.
Precisamente o que terá acontecido também com toda a naturalidade aos jogadores da seleção nacional de futebol durante o respetivo período de preparação. Mas uma vez em plena competição europeia, tal como no momento de exibição pública de uma orquestra, é exigido aos executantes (músicos ou jogadores) uma base estrutural de disciplina coletiva a partir da qual se tornará possível sempre que necessário a cada um improvisar, inovar e criar nos limites do desconhecido. O que ainda não foi o caso no jogo com a Austria.
Melhorámos em termos gerais e foi maior o número de jogadores que demonstrou atitudes e comportamentos conformes com a importância do que estava em jogo. Mas faltaram ainda a expressão coletiva necessária e, principalmente, uma fundamental eficácia ofensiva.
E cabe agora ao selecionador nacional Fernando Santos, qual maestro de orquestra, facilitar a descoberta do porquê da manutenção de alguns dos erros cometidos no jogo de abertura e das ainda manifestas e preocupantes hesitações na tomada de decisões ofensivas. Principalmente gerindo sentimentos e emoções, quer no plano individual, como do grupo. E exigindo aos jogadores que sejam capazes de se centrarem no que são os seus pontos fortes e assumirem as suas responsabilidades, demonstrando total empenho e sentido de urgência ao longo de todo o tempo de jogo.
Confesso que me surpreendeu pela negativa o medo de errar de alguns e a sobranceria de outros ao persistirem em mostrar pormenores técnicos perfeitamente escusados face à urgência de sermos muito mais eficazes.
Entretanto e tal como nas orquestras, começa a ser curto no espaço e no tempo que resta até à próxima “subida ao palco” garantir que não continuem a desafinar e, principalmente, que assistir às suas “exibições” não continui a ser uma enorme desilusão.