Ballet Contemporâneo do Norte dança na praia com desperdício têxtil e ilusão da moda

Ballet Contemporâneo do Norte dança na praia com desperdício têxtil e ilusão da moda
Foto: Lusa
| Norte
Porto Canal/ Agências

O Ballet Contemporâneo do Norte (BCN) estreia no sábado, na praia fluvial de Santa Maria da Feira, um espetáculo em que bailarinos envergando figurinos de 20 quilos refletem sobre ilusões da moda, desperdício têxtil e “os bastidores obscuros” dessa indústria.

Com entrada livre e apresentação marcada para as 19h30 na Mâmoa, entre as margens relvadas do Ul, a pequena faixa de areal desse rio e as águas calmas da sua baía, a nova produção da companhia do distrito de Aveiro e Área Metropolitana do Porto intitula-se “Cassandra”, numa alusão ao mito da princesa grega cujas profecias corretas eram sempre desconsideradas.

A diretora artística do BCN garante, contudo, que a matéria na base do novo espetáculo é “real e muito atual”, porque resulta de uma adaptação da tese de mestrado do designer de moda e figurinista Jordann Santos, cuja experiência profissional em desfiles como o Portugal Fashion e outros eventos do setor o despertou para o “assustador” impacto ambiental da indústria.

“A experiência nesse meio mudou-o”, declara Susana Otero à Lusa. “No BCN sempre tivemos a prática de reciclar ao máximo os figurinos usados em produções anteriores, mas, neste caso, o que vestimos é mesmo a mensagem – o Jordann criou para cada um dos sete bailarinos em cena uma peça com 15 a 20 quilos de peso, feita de 30 a 40 peças de vestuário usadas”, realça.

Para isso, o designer fez várias seleções: para Susana criou um figurino constituído apenas por peças pretas, para outra bailarina utilizou só roupas e panos brancos, para um terceiro elemento do elenco concebeu uma longa cauda feita unicamente de gangas, para outro um esvoaçante manto composto pelas folhas metalizadas que costumam embalar os ovos de Páscoa…

Parte dessa matéria-prima foi adquirida a fábricas de confeção com restos de 'stock' que falharam o controlo de qualidade, outra foi doada por conhecidos e fãs da companhia, alguma pertencia até a amigos da equipa, já falecidos.

Jordann Santos confirma que “Cassandra” nasceu da sua deceção com “os bastidores obscuros da indústria têxtil”, que o deixou de “coração partido” face à consciência de que o desperdício é inevitável e crescente, a longevidade do produto indesejada, a reciclagem absoluta uma impossibilidade e o consumismo frugal uma utopia.

“Quando comecei a produzir as minhas coleções em fábricas e descobri que as peças encomendadas tinham sido feitas por uma senhora, em regime de subcontratação, numa garagem nos confins de Balazar, na Póvoa de Varzim, essa realidade abalou-me, não só pelas péssimas condições das instalações, como pelos valores insignificantes que ela praticava”, recorda o designer.

O segundo choque deu-se numa estamparia: “Tendo chegado cedo à fábrica, decidi passear em torno das instalações e deparei-me com um riacho de vermelho-sangue e contornos de azul-petróleo. Era como uma ferida aberta no meio da terra e esse cenário grotesco confrontou-me com a realidade – sabida, ignorada e invisível – do impacto negativo e direto que ‘eu’ iria ter no ambiente”.

As Artes Cénicas revelaram-se, então, uma opção de carreira “mais equilibrada”, com a vantagem extra de, cultural e pedagogicamente, lhe permitirem explorar questões como a relação entre frustrações pessoais e consumo, entre emissões poluentes e alterações climáticas, entre palavras e ações, entre a premonição do futuro e a passividade.

Jordann Santos defende, aliás, que, tal como acontecia a Cassandra, “a sociedade atual tem uma previsão do que vai acontecer e precisa de uma resolução imediata, mas, na realidade, não a quer aplicar”, seja por comodismo, razões capitalistas ou outro motivo qualquer.

É por isso que a nova produção do BCN percorre diferentes estados de espírito e distintos graus de consciência: do peso quase imobilizador dos figurinos carregados de consumismo passa-se a uma libertação purificadora e resiste-se temporariamente; mas o ‘allure’ da moda acaba por quebrar mesmo os bem-intencionados, que cedem então ao desejo da cópia e se entregam a celebrações efusivas, datadas, até que o vazio emocional se sobrepõe e todo o ciclo se reinicia, num ‘loop’ de insatisfação e culpa sem data de término.

“Nós somos a semente da nossa própria destruição”, diz Jordann Santos, pouco otimista quanto ao poder de conversão do seu próprio espetáculo. Mas quando lhe perguntam que destino dará depois aos figurinos de “Cassandra”, responsabiliza-se pelas suas próprias criações: “Vou fazê-las crescer ainda mais. Há sempre outras peças para lhes agregar e tenho o sonho de, um dia, vestir com elas uma rua inteira”.

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