Couros, o bairro operário de Guimarães que passou do anonimato a Património Mundial

Couros, o bairro operário de Guimarães que passou do anonimato a Património Mundial
Foto: CM Guimarães
| Norte
Porto Canal / Agências

As dezenas de tanques em pedra que durante séculos serviram de 'cama' às peles de animais no seu processo de transformação, é a imagem de marca da Zona de Couros, em Guimarães, que passou do anonimato a Património Mundial.

Dispostos lado a lado, formando vários aglomerados, e com o pequeno Rio de Couros a correr tranquilamente ali ao lado, os tanques e o complexo de antigas fábricas de curtumes que os circunda, chamados de “espaços primitivos de trabalho”, marcaram a vida do Burgo de Couros, zona insalubre, proscrita e mal cheirosa.

“Hoje, em Guimarães, vemos o Castelo, a Muralha, os palacetes, as casas medievais, e vemos os tanques, aquela área que, durante muitos anos, a própria cartografia vimaranense não representava. Eram espaços tão insignificantes, tão anónimos, representavam um tema da história que era tão pouco trabalhado, que nem sequer eram representados”, explica o arquiteto Ricardo Rodrigues, que liderou a candidatura da Zona de Couros a Património Mundial da Humanidade da UNESCO.

A “arte de trabalhar a pele”, ou a transformação das peles de animais, nomeadamente de bois, bezerros e vitelas, em couros, para confeção de roupa, calçado e outros utensílios, esteve associada durante séculos ao processo de curtição, que resultava de sucessivas imersões e repousos das peles de animais abatidos, em tanques de pedra com casca de carvalho.

Ricardo Rodrigues, também chefe da Divisão de Património Mundial e de Bens Classificados do Município, conta que a UNESCO considerou Guimarães “um caso de valor universal excecional, único e singular”.

“Por tudo o que de Universal representa, porque quase todas as cidades antigas tinham áreas de curtumes, mas já praticamente nenhuma cidade do Mundo revela o que Guimarães revela: que é esta inter-relação tão próxima entre o trabalho e a evolução do cidade”, frisa Ricardo Rodrigues.

O arquiteto de formação, com especialização e investigação em património, revela que os estudos científicos que suportaram a candidatura da autarquia, iniciada em 2014, com o objetivo de olhar para a Zona de Couros como parte integrante da cidade, foram altamente reveladores e enriquecedores de todo o processo de conhecimento da cidade, porque ficou a saber-se aquilo que até então não se sabia.

“Embora soubéssemos que o Rio de Couros já tinha esse nome no século XII, hoje sabemos, com um grau de certeza muito elevado, que a Zona de Couros é anterior à própria definição do nome Guimarães”, salienta Ricardo Rodrigues.

Nesse sentido, defende não ser possível pensar-se hoje no crescimento de Guimarães, “no desenvolvimento do burgo, vila e depois cidade sem estes espaços”, que a historiadora e investigadora Elisabete Pinto apelidou de “espaços primitivos do trabalho”.

Para o historiador Amaro das Neves, a classificação da Zona de Couros pela UNESCO, que amplia a área classificada de Guimarães, é um milagre.

“É um milagre. Se me dissessem há 15 ou 20 anos que este espaço de Guimarães também iria ser Património Mundial, diria que estão a sonhar”, declarou o também residente em Guimarães, sublinhando que a zona foi alvo de um processo de requalificação.

“Primeiro requalificou-se e depois candidatou-se. Houve aqui um processo de requalificação de uma zona muito degradada da cidade, onde já vivia muito pouca gente, e, de repente, se torna numa zona com um certo charme. A partir de um momento em que uma série destas fábricas, como aquela onde nós estamos, passa a alojar um conjunto de institutos universitários com relevância, as ideias feitas são para desfazer”, vincou o historiador.

Alguma das fábricas foram adquiridas e recuperadas pelo município, albergando instituições ligadas ao ensino, à cultura e às artes.

“[Couros] Era uma zona, uma área de Guimarães, que era como nas nossas casas: quando temos um quarto desarrumado e temos visitas, fechamos a porta. E esta era uma parte de Guimarães que normalmente não se mostrava, que as pessoas não conhecem, e que mesmo aos próprios vimaranenses se dizia que era zona a evitar. Porque estava degradada e porque tem toda essa tradição de um bairro operário com condições higiénicas muito insalubres”, conta Amaro das Neves.

Já o presidente da câmara, Domingos Bragança, lembrou que Guimarães tinha o Castelo e o Centro Histórico classificados, faltando classificar “a zona do trabalho, da curtimenta, dos artesãos, do povo”, sublinhando que a Zona de Couros vale pelo seu conjunto edificado.

“Devemos este mérito ao cuidado que Guimarães e toda a comunidade vimaranense tem na conservação, na proteção do seu património, que vai continuar e que vamos estar todos interessados e atentos em fazer”, assumiu Domingos Bragança (PS).

O autarca assume orgulho pela classificação atribuída pela UNESCO, em 19 de setembro.

“Orgulho que partilhamos com todos os portugueses, com Portugal inteiro. Isto aqui é de Guimarães, mas é Portugal, dos portugueses. Temos um enorme orgulho no nosso património. (…) Vale a pena ser Património da Humanidade, vale a pena partilhar com o Mundo o nosso património edificado e cultural. Pela persistência, pela sabedoria coletiva, queremos ser referência nacional e Mundial”, vincou Bragança.

A classificação foi aprovada na 45.ª reunião do Comité do Património Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), em Riade, Arábia Saudita, que teve início em 10 de setembro e terminou na segunda-feira, dia 25.

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