Afeganistão: País vive uma crise de direitos das crianças

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Porto Canal / Agências

Lisboa, 13 ago 2022 (Lusa) - O Afeganistão vive uma crise dos direitos das crianças, com mais de 3 milhões em risco de desnutrição aguda, um milhão de meninas proibidas de frequentar escolas e centenas mortas por confundirem restos de explosivos com brinquedos.

O alerta, feito pelo representante da Unicef (Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância) no Afeganistão, Salam al-Janabi, é acompanhado de um pedido de reforço da ajuda internacional e de uma garantia de que a instituição não vai desistir.

"Um ano depois de os talibãs tomarem o poder e de a Unicef ter prometido 'ficar e ajudar', a vida no Afeganistão, já tensa por décadas de insegurança e desastres naturais, e agora distante da comunidade global, deteriorou-se ainda mais", afirmou Salam al-Janabi, em entrevista à agência Lusa.

Presente no terreno, este responsável da Unicef descreve o cenário como "uma crise dos direitos da criança" e sublinha que "mais de metade do país, 24 milhões de pessoas, incluindo 13 milhões de crianças, precisa de ajuda humanitária urgente".

As preocupações são muitas, tendo o responsável da Unicef relatado existir "mais de 3 milhões de crianças em risco de desnutrição aguda, tornando-as vulneráveis a doenças evitáveis".

Uma em cada três destas crianças corre o risco "de morrer se não tiver tratamento urgente", sublinha.

Esta crise de desnutrição "é alimentada pela pior seca em 37 anos", pelo que "oito em cada 10 afegãos bebem água contaminada, tornando-os suscetíveis a episódios repetidos de diarreia aquosa aguda".

E o futuro não parece ser melhor.

"Em junho, registámos um aumento de 50% em relação ao mesmo período do ano passado na desnutrição entre grávidas e lactantes, o que prenuncia uma vaga de bebés prematuros e de baixo peso -- colocando-os em desvantagem no momento do nascimento", acrescenta.

"Com a economia à beira do colapso e a maioria da população a viver abaixo da linha da pobreza, as crianças, especialmente as meninas, correm maior risco de serem trocadas por dotes ou enviadas para trabalhar em condições perigosas para sustentar suas famílias", alerta ainda o responsável da Unicef.

Por outro lado, as crianças continuam a enfrentar níveis de violência assustadores.

"Apesar de a intensidade das hostilidades ter diminuído nos últimos 11 meses, o conflito armado ainda continua e a contaminação por armas, como munições não detonadas, é uma grande ameaça para as crianças", afirma Salam al-Janabi, referindo que, "durante o primeiro trimestre de 2022, as principais causas de mortes infantis foram restos de explosivos de guerra (105 casos) e dispositivos explosivos improvisados (37 casos) por perpetradores não identificados".

O Afeganistão "é um dos países mais contaminados por armas no mundo" e, só este ano, "288 crianças foram mortas e mutiladas por restos de explosivos de guerra", adiantou.

A tudo isto juntam-se as dificuldades específicas das meninas, já que as proibições e fundamentalismo talibãs se dirigem sobretudo ao sexo feminino.

"Os primeiros decretos do novo regime dos talibãs visaram logo as mulheres: foram proibidas de trabalhar fora de casa, forçadas a usar burcas, proibidas de frequentar as escolas e impedidas de ser vistas por médicos masculinos", conta Salam al-Janabi.

"Banidas do ensino médio e proibidas de sair de casa sem um 'mahram' (guardião masculino), as adolescentes definham em casa preocupadas com o futuro e expostas aos perigos de casamentos precoces", relata o responsável da Unicef, adiantando que "as autoridades 'de facto' continuam a restringir os direitos e liberdades das mulheres e raparigas", o que "abre caminho a que gerações vivam com o fardo do analfabetismo e da pobreza paralisante".

Apesar do cenário ser sombrio, Al-Janabi garante que a Unicef "não vai desistir da educação das crianças, especialmente da das raparigas".

As crianças "têm direito à educação. Queremos ver todas as meninas e meninos do Afeganistão na escola e a aprender", sublinha, garantindo que a organização da ONU irá "continuar a defender, a nível comunitário, regional, nacional e global, que todas as crianças voltem à escola".

Por seu lado, a Unicef "está a responder ao compromisso que vemos das comunidades de manter as escolas abertas para meninas em idade de [frequentar o] ensino médio, fornecendo, entre outras coisas, 38 milhões de livros didáticos às escolas, treinando 1.200 professoras e aumentando o número de escolas de educação baseada na comunidade de 10.000 para 17.000 até ao final do ano".

Além disso, explica, a organização resolveu "explorar caminhos alternativos para a educação, incluindo apoio financeiro a iniciativas educacionais de pequena escala e aulas em 'tablets' e via rádio ou televisão".

Salam al-Janabi lembrou ainda que o HAC 2022 (o UNICEF's Humanitarian Action for Children ou Ação Humanitária da Unicef para Crianças) - o maior apelo para um único país da história da organização -- visa atingir os 2 mil milhões de dólares (1,9 mil milhões de euros), tendo conseguido já 40% do financiamento.

"Estamos gratos a todos os doadores, incluindo os Estados Unidos e a União Europeia", mas "precisamos de mais", revela.

"Se o financiamento estagnar, a vida das crianças ficará em perigo. Teremos de reduzir as nossas ambições de apoio às crianças no Afeganistão e não alcançaremos todas as crianças necessitadas", explica.

Além disso, "estamos especialmente preocupados porque já é agosto e estamos a preparar-nos para o inverno -- uma época em que as necessidades das crianças e das famílias aumentam sempre", acrescenta, sublinhando que o financiamento do programa de Água, Saneamento e Higiene é "particularmente difícil".

"A seca, combinada com surtos de diarreia aquosa aguda e de cólera, estão a impulsionar a crise de desnutrição e a enfraquecer crianças já vulneráveis", pelo que é vital, segundo o responsável, financiar "o programa para que possamos construir estações de água movidas a energia solar, transportar água para as comunidades afetadas pela seca, distribuir pastilhas de purificação para tornar a água potável e reparar sistemas de água, como os danificados pelo terramoto" registado há cerca de um mês.

Embora admita entender "a pressão de diferentes emergências, incluindo a da guerra na Ucrânia", Salam al-Janabi defende que "o crescente financiamento e atenção dados à Ucrânia podem deixar milhões de crianças encurraladas em crises em todo o mundo", inclusive no Afeganistão.

"É vital que o apoio seja dado de forma equitativa a todas as crianças. Uma criança é uma criança, não importa quem ela seja, não importa de onde ela seja", conclui.

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