25 anos depois, a regionalização voltou a estar na agenda. Um 'roadmap' sobre o tema

25 anos depois, a regionalização voltou a estar na agenda. Um 'roadmap' sobre o tema
| Política
Porto Canal

O 25 de abril de 1974 abriu portas para que Portugal começasse a traçar o seu próprio caminho, na Regionalização, que está prevista desde 1976, ano da aprovação da primeira constituição democrática. No entanto, o processo tem vindo a ser sucessivamente adiado pelos vários governos.


Em 1998, a Regionalização poderia ter mesmo avançado, mas o referendo apresentado aos portugueses, na sequência da revisão constitucional de 1997, foi chumbado e rejeitado por larga margem. Cerca de 61% dos votos foram contra a ideia de criar novas regiões em Portugal continental e, com o chumbo, o assunto da Regionalização ficou na gaveta por 25 anos.

 

PAÍS REFORMISTA, MAS CENTRALISTA?

Se, por um lado, a regionalização e a descentralização têm sido processos com poucos avanços e vários recuos, por outro, se há alguma certeza quanto ao caminho percorrido nos últimos anos, é que Portugal é um país centralista, ocupando mesmo o pódio da OCDE. Tal como o Porto Canal revelou na reportagem A Cidade-Estado (1º episódio; 2º episódio), em janeiro de 2022, 93% dos organismos da administração central do Estado português está concentrado em apenas 3% do território nacional. Das 698 instituições do Estado, apenas 48 estão espalhadas pelo país, estando as restantes 650 sediadas na capital.


Lisboa é a região mais rica em Portugal, com um PIB per capita próximo dos 25 mil euros, quase 30% acima da média nacional e próximo dos países mais ricos da União Europeia. Mesmo assim, entre 2000 e 2010, apenas duas regiões do país convergiram com a média da UE: a Região Autónoma dos Açores e a Região Autónoma da Madeira, as duas únicas com autonomia administrativa. Já o Norte e o Centro do país são as duas regiões de Portugal continental com um PIB per capita próximo dos países pobres do Leste e Sul da Europa.

Por isso, os defensores da regionalização sugerem que perante as discrepâncias regionais e económicas do contexto português, a homogeneidade territorial das políticas económicas tende a prejudicar as regiões mais pobres ou mais afastadas dos centros de poder. Apontam ainda que o centralismo representa uma vantagem para a capital e para os seus residentes. Uma vez mais próximos dos centros de decisão, têm maior poder de influenciar os processos políticos e legislativos e, ao mesmo tempo, têm mais e melhores oportunidades de emprego e progressão na carreira.

O CAMINHO DA REGIONALIZAÇÃO

Depois de um longo período de ditadura e com a consolidação da democracia, em 1976 o país preparava-se para votar a Constituição. O documento previa a Regionalização e o PSD votou a favor, deixando um primeiro sinal de que o partido estava ao lado da autonomia regional.
Em 1980, Francisco Sá Carneiro chefiava o Governo e falava na importância de uma “democracia regional”. Do outro lado estava Mário Soares que, em oposição, nunca foi entusiasta da ideia.

Foi a partir de meados da década de 1990 que a discussão em torno da Regionalização em Portugal se intensificou. E em 1991, o governo da Aliança Democrática (AD) chefiado pelo social-democrata Aníbal Cavaco Silva aprovava a Lei-quadro das Regiões Administrativas. 


Os anos seguintes ficaram marcados por um aceso debate sobre a delimitação de um mapa regional para Portugal. Na revisão constitucional de 1997, Marcelo Rebelo de Sousa, à data líder do PSD, impôs ao governo de António Guterres que o processo tivesse de ser obrigatoriamente submetido a referendo. A solução jurídica encontrada é considerada pelos críticos, como o constitucionalista António Cândido de Oliveira, um “novelo constitucional”, ou um “duplo referendo”, por obrigar simultaneamente ao voto favorável de mais de metade do universo eleitoral e de cada uma das regiões.

Nesse mesmo ano, foram apresentados dois mapas para a divisão regional: um do PS e outro do PCP, em conjunto com o PEV. Os dois restantes partidos com assento parlamentar, o PSD e o CDS, liderados, à época, por duas personalidades marcadamente anti-regionalistas, Marcelo Rebelo de Sousa e Manuel Monteiro (meses depois substituído por Paulo Portas), não apresentaram qualquer proposta e mostraram-se sempre contra a reforma da Regionalização, ainda que invocando motivos diferentes para as suas posições.

Dos dois mapas chegou-se a um consenso, e a proposta foi oficializada pela Lei da Criação das Regiões Administrativas, que acabou por ser levada a referendo no dia 8 de novembro de 1998 e chumbada por 61% dos portugueses, numa votação que ficou marcada por um forte antagonismo.

A Regionalização ficou, então, adormecida e voltou à agenda política apenas 18 anos depois:

- 2016: O país preparava-se para receber um novo presidente: Marcelo Rebelo de Sousa, que tinha tido um papel-chave no processo que conduziu ao chumbo no Referendo de 1998;

- 2018: A Assembleia da República criou uma comissão independente para estudar a descentralização. O objetivo era “promover um estudo aprofundado sobre a organização e as funções do Estado”. O documento que resultou do trabalho de técnicos e especialistas de todo o país mostra que existe uma clara associação estatística entre desenvolvimento e descentralização.

- 2021: Marcelo Rebelo de Sousa trazia a Regionalização de volta ao debate político ao mencionar o tema no discurso que fez no congresso da Associação Nacional de Municípios. No mesmo ano, António Costa e Rui Rio assinavam um compromisso para um referendo em 2024 e para uma possível revisão constitucional para alterar as regras da auscultação da população e, assim, facilitar o processo.

- 2022: Na campanha para as eleições legislativas antecipadas o PS assumia o compromisso da Regionalização no programa eleitoral. Ao mesmo tempo Rui Rio, líder do PSD, confirmava uma mudança de direção na posição do partido. Apesar de não assumir a Regionalização como tema prioritário no manifesto eleitoral, Rio pronunciava-se favoravelmente à hipótese de um referendo.

Já depois das eleições de 30 de janeiro, que acabariam por dar uma maioria absoluta ao Partido Socialista, os sociais-democratas apresentavam um novo projeto de revisão constitucional, da autoria do então líder da bancada parlamentar Paulo Mota Pinto. O documento sugeria uma simplificação do referendo, ao eliminar a obrigatoriedade da participação da maioria do universo eleitoral. A questão é que a revisão era apresentada ao mesmo tempo que o Rui Rio pedia a demissão, na sequência dos maus resultados das eleições legislativas. O então presidente do PSD deixava assim uma certeza: se um dos dois candidatos às eleições diretas não concordasse com as propostas apresentadas, a proposta de revisão seria retirada, tal como acabou por acontecer. Na campanha para as diretas, Luís Montenegro dizia que a discussão da regionalização “era extemporânea”. Uma posição que se mostrava como um prelúdio da decisão que apresentou no 40º Congresso do PSD.

25 ANOS DEPOIS, QUAL É O ESTADO DA ARTE?
A posição de Luís Montenegro voltou a despertar o tema da regionalização.
No primeiro discurso enquanto novo líder do PSD, mostrou-se contra a data do referendo, previsto para 2024, e garantiu que, caso o Governo decida avançar, não contará com o apoio dos sociais-democratas.
Seguiu-se uma onda de reações, incluindo a do Partido Socialista, dos outros partidos da oposição e mesmo de dentro do PSD. Afinal, 25 anos depois do Referendo, quem é a favor da regionalização?

A FAVOR

PCP: O programa do Partido Comunista Português é, desde sempre, favorável à regionalização. O partido defende o avanço do processo ainda antes de 2024. No rescaldo do Congresso do PSD, Jerónimo de Sousa disse ainda que a “regionalização não é invenção nenhuma. É um princípio que continua consagrado na Constituição” e, por isso, não pode ser mais adiada.

OS VERDES:
Após o discurso de Luís Montenegro, o partido ecologista “Os Verdes” acusou o líder do PSD de ter um “discurso do passado e de má memória”, defendendo que os portugueses precisam de um “discurso de futuro”. O PEV defende a Regionalização desde a sua fundação, em 1982.

BE: Desde a sua criação, em 1999, os bloquistas foram sempre pró-regionalização. E, perante o discurso de Luís Montenegro, Catarina Martins reforçou que “o país já devia ter feito há muito tempo" um referendo.

PS: A posição do Partido Socialista é menos clara do que a do PCP e BE. Embora oficialmente tenham sido sempre a favor, os socialistas mantiveram-se afastados do tema por muitos anos, optando por não promover qualquer avanço em matéria de Regionalização. Atualmente, António Costa é uma das figuras centrais do tema, e tem-se mostrado, pelo menos no discurso, um regionalista. No rescaldo das declarações do novo líder do PSD, o presidente do partido, Carlos César, referiu que, com ou sem o apoio dos sociais-democratas, o referendo vai avançar.

LIVRE: No seu programa, o Livre também declara vontade de "regionalizar com eleição direta", através de um referendo. Enquanto o processo não avançar, o partido quer reorganizar e coordenar os serviços desconcentrados a partir das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR).

PAN: O partido Pessoas-Animais-Natureza defende que a Regionalização tem de ser acompanhada de um “debate alargado (…) que envolva a administração pública, a academia e a sociedade civil”. Para o PAN, é também necessário existir uma “revisão constitucional”, que estabeleça que o resultado do referendo será vinculativo “independentemente do número de votantes”, de maneira a impedir que, à semelhança do que aconteceu em 1998, “os opositores da regionalização” vençam o referendo “por falta de comparência ou por via de apelos à abstenção”.

OUTRAS POSIÇÕES

PSD: Atualmente, com Luís Montenegro a liderar o PSD, os sociais-democratas desvinculam-se do processo de Regionalização e do próprio referendo e passam a ser assumidamente contra a autonomia regional antes de 2026. No entanto, nem sempre foi assim. Apesar de, em 1998 e com Marcelo Rebelo de Sousa a liderar o partido, o PSD ter dito sempre “não” ao processo, argumentando que o mapa regional em causa não fazia sentido, nos últimos tempos, com Rui Rio à frente dos sociais-democratas, o partido passou a ser a favor. O antigo líder disse mesmo que, antes, também ele era contra, mas que mudou de posição por verificar que o centralismo piorou.

CHEGA: Ainda à direita, e perante o discurso de Luís Montenegro, o Chega não se compromete com nenhuma posição. No Congresso do PSD, o deputado Diogo Pacheco de Amorim reforça que o partido “poderá seguir, ou não, a posição de Montenegro”. No entanto, um ano depois da criação do partido, em 2020, o líder André Ventura referiu, no parlamento, que se “está nas tintas” para a Constituição, reforçando que o partido quer “mandar a regionalização para o lixo da história, onde sempre devia ter estado”. Uma posição que tem vindo a ser alterada nos últimos tempos… No primeiro programa do partido, o Chega era expressamente contra qualquer forma de regionalização. Quando refez o programa mudou de posição. Agora, o partido refere que “sempre foi a favor de ouvir os portugueses nesta matéria”.

CDS-PP: Embora, em 1974, o partido fosse a favor da autonomia regional, já há vários anos que o CDS é o partido mais marcadamente anti-regionalização. Nuno Melo, líder dos centristas, já tinha dito que avançar com a regionalização significa “matar a descentralização”. Após as palavras de Montenegro, e perante a possibilidade de a regionalização avançar, Nuno Melo considera que é “inconcebível” que todo o processo seja feito sem referendo e sem os portugueses se pronunciarem.

INICIATIVA LIBERAL: Num debate contra António Costa, o líder dos liberais não descartou a regionalização, afirmando que é uma discussão que permanece em aberto no seu partido. Esclareceu, de resto, que a IL nunca alinhará com esta reforma sem perceber as competências que serão atribuídas às regiões, os custos que isso poderá implicar e ainda o mapa. Por enquanto, a Regionalização é um tema que continua a dividir os liberais.

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