"Revolução laranja" de 2004 anunciou a existência de "duas Ucrânias"

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Porto Canal com Lusa

Redação, 20 nov 2019 (Lusa) -- A 'revolução laranja' de 2004, uma mobilização popular sem precedentes desencadeada após denúncias de fraude na segunda volta das presidenciais ucranianas de 21 de novembro, revelou uma divisão na ex-república soviética que 15 anos depois ainda permanece por solucionar.

Os resultados eleitorais confirmaram a decisiva clivagem regional entre um centro-oeste favorável ao "pró-ocidental" Viktor Iuchtchenko, que será declarado vencedor após os protestos, e um sudeste que apoiou massivamente o candidato "pró-russo" Viktor Ianukovitch, então primeiro-ministro cessante.

Este amplo movimento popular, que em 23 de novembro juntou cerca de meio milhão de pessoas em Maidan (a praça da Independência), no centro de Kiev -- nas regiões do sudeste não se registou qualquer protesto --, terá impedido a anunciada manipulação dos resultados eleitorais.

A imensa mobilização associada à ausência de violência, ao contrário do que sucederá na designada revolta de Maidan em fevereiro de 2014, captou a atenção internacional e perspetivou uma evolução política face a uma longa tradição autocrática.

No entanto, o caráter genuíno da "revolução laranja", a cor da aliança "A Nossa Ucrânia" do candidato Iuchtchenko, foi questionado desde o início e inserido num contexto de uma luta de influências entre Washington e Moscovo em diversas regiões do leste europeu, em particular desde a queda de Slobodan Milosevic na Sérvia (outubro de 2000) e da "revolução das Rosas" na Geórgia (novembro de 2003).

A Rússia vai contestar o caráter "espontâneo" do movimento, enquanto diversos 'media' de distintos quadrantes sugerem que a "revolução laranja" garantiu ajudas externas, em particular de meios financeiros próximos do governo dos Estados Unidos, ou de opositores ao governo do Presidente russo Vladimir Putin, no poder desde 2000.

Em diversos círculos refere-se que o candidato Iuchtchenko beneficiou de 65 milhões de dólares (58,7 milhões de euros) disponibilizados pela administração de George W. Bush, e que a "revolução laranja" teria como objetivo isolar a Rússia dos países do leste, com a eleição de um "pró-ocidental" defensor da adesão à NATO e que sucedia aos 10 anos e 188 dias de mandato de Leonid Kuchma, o segundo Presidente da Ucrânia independente.

Em paralelo, e na sequência da grave doença que atingiu Iuchtchenko em setembro de 2004, motivada por uma alegada tentativa de envenenamento no decurso de um jantar com responsáveis oficiais e da qual recuperará após diversos internamentos, multiplicam-se as suspeitas dirigidas a Moscovo.

Apesar da firme oposição de Putin, os governos ocidentais baseados em relatórios de observadores internacionais reconhecem a existência de fraudes no escrutínio de 21 de novembro.

Na sequência de difíceis negociações com intervenção da União Europeia e em particular da diplomacia polaca, foi organizada uma nova segunda volta em 26 de dezembro de 2004, enquanto a Rada (parlamento) procedia a uma alteração constitucional que reforçou o poder legislativo.

Previamente, Kouchma tinha recusado declarar o estado de emergência, sugerido por Ianukovitch, mas também se oporá à demissão do primeiro-ministro cessante após a aprovação pela Rada em 01 de dezembro de uma moção de censura contra o executivo.

Os resultados de 26 de dezembro concedem 51,99% a Iuchtchenko contra 44,19% para o seu rival. Todos os protestos contra novas e alegadas fraudes serão rejeitados pelo Supremo tribunal ucraniano, e em 23 de janeiro de 2005 o novo Presidente toma posse.

No entanto, os partidos do movimento "laranja" vão demonstrar total incapacidade para trabalharem em conjunto, dando origem a diversos governos divididos e por fim a um divórcio entre o Presidente "pró-ocidental" Iuchtchenko -- em coligação desde 2006 com o "pró-russo" Viktor Ianukovitch, seu rival em 2004 -- e a carismática Iulia Timochenko, que regressa à oposição após ter chefiado o executivo.

A Ucrânia pós-"revolução laranja" permanecia enfraquecida a nível político e institucional, através de uma sistemática contestação do poder entre os partidos políticos, entre o Presidente e o primeiro-ministro, entre o executivo e o legislativo e entre o centro e as regiões.

Neste processo, e como indicaram na ocasião diversos observadores, a natureza do regime político registou uma significativa transformação e o contraste com a Rússia tornou-se mais forte que nunca.

No entanto, a Ucrânia "pós-revolução" de 2004 não conseguiu solucionar a "questão regional", um fator decisivo para a estabilidade do país eslavo.

Mantiveram-se as tensões entre o centro, onde está concentrado o poder do governo, e a periferia, que se afirmava através de critérios identitários, históricos e económicos.

Nesta ex-república soviética, que declarou a independência em 24 agosto de 1991, esta "periferia" podia englobar quase metade de um país onde as populações russófonas eram maioritárias no sudeste, na Crimeia (com estatuto de república autónoma), na região de Odessa e junto à fronteira com a Moldávia.

A fratura entre Kiev e as regiões será confirmada nas legislativas de 2006, e acentuada nas presidências de 2010, que na segunda volta vão opor Ianukovitch a Timochenko, com a vitória do político "pró-russo".

Posteriormente, também se registam tensões entre Kiev e Varsóvia, em torno da região da Galícia, atualmente em território ucraniano e com "capital" em Lviv, mas que se manteve sob domínio social polaco durante cerca de 500 anos.

A profunda divisão no país agravou-se na sequência da revolta de Maidan em fevereiro de 2014 que destituiu Ianukovitch, na Presidência desde 2010, seguida de anexação da península da Crimeia pela Rússia, o início da rebelião armada no leste, com a declaração de duas "repúblicas autónomas", até à estrondosa derrota do nacionalista Petro Poroshenko nas presidenciais de maio de 2019 após cinco anos no poder.

Recentemente têm ocorrido diversos sinais de abertura, mesmo que contraditórios, entre Moscovo e Kiev protagonizados por Vladimir Putin, e pelo estreante Volodymyr Zelenskiy, que ocupa a Presidência desde maio.

PCR // EL

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