Livro de Pierre Lemaitre sobre a Grande Guerra lançado em Portugal

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Porto Canal / Agências

Lisboa, 04 jul (Lusa) -- O francês Pierre Lemaitre, autor do romance "Até nos vermos lá em cima", Prémio Goncourt 2013, sobre dois soldados na Grande Guerra, disse à Lusa que construiu a história como se fosse o "último escritor" do século XIX.

"Venho do folhetim e da literatura do século XIX. Sou o último escritor do século XIX, porque não há outro. Os antigos combatentes do século XIX morreram todos", disse à Lusa, em Lisboa, o escritor Pierre Lemaitre.

Prémio Goncourt 2013, o livro "Até nos vermos lá em cima", publicado em Portugal, conta a história de dois soldados franceses, Albert Maillard e Édouard Péricourt, que se encontram acidentalmente em pleno campo de batalha, no dia 02 de novembro de 1918, a poucos dias do Armistício em que, além dos trágicos acontecimentos que vão acabar por marcar os dois protagonistas, um par de soldados é abatido à traição.

"O morto oscila pesadamente e fica de barriga para baixo. Albert precisa de alguns segundos para se dar conta do que está a ver. Depois a verdade entra-lhe pelos olhos dentro: quando se avança na direção do inimigo, não se morre de duas balas nas costas", (página 23) narra Lemaitre durante a carga dos soldados franceses da 163.ª Divisão de Infantaria junto ao Mosa, em direção às trincheiras alemãs.

O ataque, quase no fim da guerra, é determinante para o romance de Lemaitre: Albert descobre que dois homens tinham sido mortos pelas costas, mas fica ferido durante a batalha e é salvo por Édouard que acaba, logo a seguir, por ser atingido no rosto por um obus.

O autor diz que escolheu a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) não apenas por ser um conflito que marcou a cultura francesa e os países europeus, "tal como os conhecemos", mas sobretudo devido ao período imediatamente após o fim do conflito.

"Sobre o pós-guerra há motivos mais técnicos e mais literários. Em primeiro lugar, foram já escritos muitos romances sobre o período anterior à guerra. Sobre a guerra os próprios participantes também já escreveram muito e eu não queria escrever um livro sobre uma guerra em que não participei. Mas, sobre o pós-guerra, eu tinha uma boa ideia, uma boa história e, como todos os romancistas, quando se tem uma boa história, faz-se um romance", diz Lemaitre.

Em 1918, a França "não desejava o regresso dos soldados", porque o país estava arruinado economicamente, logisticamente e administrativamente e, mesmo que os quisesse receber, seria incapaz, porque "não tinha força nem energia" nem sequer para proceder à desmobilização.

Muitos soldados, após o Armistício de novembro de 1918, são mantidos nas fileiras do Exército durante quase um ano, porque o Estado não foi capaz de distribuir roupas civis, alojamento e trabalho.

"É muito cruel e existe um paradoxo. Os jornais, em 1918, escreviam que os soldados queriam ser recebidos de braços abertos mas ninguém - na verdade - se ocupava deles, ninguém lhes dava trabalho e vestuário. A imprensa glorificava os homens porque tinham ganhado, eles esperavam alguma coisa mas, no final, não tiveram nada", sublinha Pierre Lemaitre.

Apesar de tudo, afirma o escritor, existe uma "memória justa" da sociedade e do Estado francês em relação aos combatentes sublinhando que a Grande Guerra, "como outros conflitos", são sempre encarados e compreendidos de formas diferentes ao longo dos tempos.

"Há uns anos vivemos em França um momento muito interessante: a morte do último soldado [da Guerra de 1914-18]. Tinha mais de 100 anos, um velho senhor. A imprensa interessou-se muito pela morte desse homem. Era um soldado de baixa patente. Um desconhecido, mas eu senti que se passou alguma coisa de importante. Coletivamente, ultrapassamos, nesse momento, o tempo das recordações e passamos ao tempo da memória. Já mais ninguém podia falar", recorda Lemaitre referindo que os historiadores estão a fazer um trabalho "notável" de investigação sobre a Primeira Guerra Mundial.

Como romancista, Pierre Lemaitre diz que tenta "fazer as coisas bem, de forma simples", e que as personagens "vivem em constante contraste" com uma história complicada.

Ao longo do romance, não são raras as vezes em que a narrativa é quase uma conversa com o leitor, sobretudo nos episódios mais agitados como a batalha.

"Toma-o um desmaio, o coração cede, apaga-se-lhe a razão, e ele afunda-se. Albert Maillard, soldado, acaba de morrer", escreve o autor na página 34, quando na verdade um dos dois protagonistas surge vivo na página seguinte.

"Há um carácter de oralidade. O que eu gosto na literatura é naturalmente contar uma história e ter um bom público, cativar o público, e é por isso que o narrador intervém de uma forma como se estivesse a falar com o leitor. É também por isso que eu próprio li o meu texto para o áudio-livro", explica Pierre Lemaitre.

O título "Até nos vermos lá em cima" ("Au revoir là-haut", no original) foi "retirado" de uma carta verdadeira que um soldado condenado à morte por deserção escreveu à mulher e é aplicada várias vezes ao longo do livro e em diferentes circunstâncias.

O livro "Até nos vermos lá em cima" de Pierre Lemaitre (491 páginas, editora Clube do Autor, tradução de Miguel Serras Pereira), foi o "melhor romance francês do ano" 2013 (Prémio Goncourt) e foi publicado na semana passada em Portugal.

PSP // MAG

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