Óbito/Ribeiro Telles: "Um sentido cosmológico e ontológico" da existência - João Mário Grilo

| País
Porto Canal com Lusa

Redação, 11 nov 2020 (Lusa) -- O realizador João Mário Grilo, que dirigiu o documentário "A Vossa Terra - Paisagens de Gonçalo Ribeiro Telles", lamentou hoje a morte do arquiteto paisagista, considerando que tinha "um sentido cosmológico e ontológico" para a existência humana.

Figura "tutelar para todos os portugueses", com "uma obra perene que ficará para sempre", João Mário Grilo lamentou, em declarações à agência Lusa, a morte do arquiteto paisagista, a quem dedicou e com quem trabalhou no documentário "A Vossa Terra - Paisagens de Gonçalo Ribeiro Teles", que estreou em 2016, no festival de cinema IndieLisboa.

"Espero que a forma como nos dava a conhecer a natureza e a relação que sempre manteve com ela perdure acima de todas as raivas que com ela fomos, entretanto, criando", sublinhou o cineasta.

Gonçalo Ribeiro Telles morreu hoje, em casa, em Lisboa, aos 98 anos, rodeado pela família.

João Mário Grilo, em declarações à Lusa, sublinhou a ideia de natureza defendida por Ribeiro Telles: "Um lugar fluído, de passagens e não de fechamentos".

É também uma ideia "democrática, fundamental para a sobrevivência humana, e holística", reforçou o realizador de "Não Esquecerás".

"Era um estoico", frisou o cineasta, afirmando esperar que a morte do arquiteto "seja o princípio da consciência de que a ecologia é algo que tem de ser praticado por todos nós".

"Este é um dia muito triste para todo o país", pois morreu o arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles "uma daquelas figuras que ninguém sonha que possa desaparecer, ainda que se saiba que isso tem de acontecer um dia", observou.

Que "a visão e a obra do arquiteto se imponham a gerações futuras como a defendeu e tentou que não fosse tomada por interesses que são terríveis e nunca fizeram bem a ninguém", prosseguiu.

Para o realizador, o arquiteto paisagista é também uma "figura lendária remotamente ligada à sua infância", pois cresceu junto ao parque das Abadias, na Figueira da Foz, que Ribeiro Telles desenhou. Uma figura para si tão importante como o arquiteto Raul Lino, que projetou a escola que frequentou nessa cidade, e sobre o qual também realizou o documentário "A Vossa Casa", em 2012.

"Os dois trabalhos foram, de certa forma, o modo como prestei homenagem a duas figuras que moldaram a minha paisagem física e emocional", disse à Lusa.

Do que viu e leu sobre Ribeiro Telles para realizar "A Vossa Terra", qualificando-o como um "encontro com a palavra", João Mário Grilo frisou ter sido com o arquiteto que aprendeu que a natureza "não é um sítio fechado, mas um local de passagens".

Uma ideia que "durante muito tempo alimentou o cinema, e que, curiosamente, acabei por aprender com um arquiteto", concluiu.

Ribeiro Telles gostava de falar dos frescos de Lorenzetti, no Palácio Comunal de Siena, do século XIII, como exemplos de "Bom Governo" e "Mau Governo", na gestão e ordenamento das cidades, exemplos que levou para "A Vossa Terra".

No primeiro caso, sublinhava a imagem de uma cidade de portas abertas, numa comunicação entre o campo organizado e a urbe, com gente a entrar e a sair.

No segundo caso, a mesma cidade mas com as portas encerradas, como num grande condomínio fechado, dominado pelo tirano, rodeado pelas representações da crueldade, da traição, da maldade, da vã glória e da soberba.

O arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, figura pioneira na arquitetura paisagista em Portugal, morreu hoje, em Lisboa, aos 98 anos, revelou à agência Lusa fonte próxima da família.

O arquiteto, cuja carreira também se destacou na cidadania, ecologia e na política, faleceu na tarde de hoje, em casa, rodeado pela família.

Nascido a 25 de maio de 1922, em Lisboa, Gonçalo Ribeiro Telles é autor de projetos relevantes em Lisboa, como os Corredores Verdes e os jardins da Fundação Calouste Gulbenkian, obra que assinou em conjunto com António Viana Barreto, e que viria a ser distinguido com o Prémio Valmor, em 1975.

Ribeiro Telles licenciou-se em Engenharia Agrónoma e Arquitetura Paisagista, no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa, e iniciou a vida profissional na Câmara Municipal de Lisboa, onde trabalhou com Francisco Caldeira Cabral, com quem viria a publicar "A Árvore em Portugal".

Figura tutelar da defesa da ecologia para fundamentar a intervenção na paisagem e no território, Gonçalo Ribeiro Telles foi o responsável pelo lançamento da política de ambiente em Portugal, cuja legislação incentivou quando passou por vários cargos públicos, nomeadamente como ministro de Estado e da Qualidade de Vida, entre 1981 e 1983.

No plano político, participou nas campanhas eleitorais dos movimentos monárquicos populares e, antes do 25 de Abril, foi candidato nas listas da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD).

No plano cultural, foi um dos fundadores do Centro Nacional de Cultura (CNC), de que era sócio n.º 1.

CP (AG) // MAG

Lusa/fim

+ notícias: País

Marcelo sobre o 25 de abril: "Tenhamos a humildade e inteligência de preferir sempre a democracia" 

O Presidente da República defendeu esta quinta-feira a escolha pela democracia, mesmo que imperfeita, contra a ditadura, argumentando que são democracias as sociedades mais fortes e lembrando que antes do 25 de Abril não havia um hemiciclo de escolha popular.

“Noite Milagrosa”. Como a imprensa estrangeira intitula a Revolução dos Cravos?

O aniversário dos 50 anos do 25 de abril de 1974 também ganha força na imprensa internacional.

Presidente da República condecora o Movimento das Forças Armadas com a Ordem da Liberdade

O Presidente da República condecorou na quarta-feira o Movimento das Forças Armadas (MFA), a título póstumo, com o grau de membro honorário da Ordem da Liberdade durante um jantar comemorativo do 25 de Abril.