"Perderam-se oportunidades para recalibrar ajustamento" – Eduardo Catroga
Porto Canal
O ex ministro das Finanças Eduardo Catroga diz não ter dúvidas de que sem a ‘troika’ a economia portuguesa estaria pior, mas admite que o Governo podia ter recalibrado o programa e afastado alguns efeitos nefastos que este provocou.
“Concordo com o meu amigo e decano economista José Silva Lopes: ele diz que o programa da ‘troika’ não foi perfeito, a execução não foi perfeita, mas sem o programa da ‘troika’ teria sido muito pior para a economia portuguesa”, sublinha Eduardo Catroga em entrevista à agência Lusa.
O último ministro das Finanças dos governos de Cavaco Silva admite que “o programa inicial foi o possível naquele momento”, mas reconhece que se “perderam oportunidades, sobretudo ao fim de um ano de execução, de fazer alguma recalibragem e talvez essa recalibragem pudesse atenuar alguns dos efeitos negativos do processo de ajustamento”.
Eduardo Catroga refere-se, por exemplo, “ao grande flagelo do programa de ajustamento: a explosão da taxa de desemprego”. E interroga-se se “poderia ter sido diferente se o financiamento à economia tem sido feito de outra forma e se tivesse havido incentivos financeiros e fiscais ao investimento produtivo”.
Esta foi, aliás, uma das medidas que Eduardo Catroga diz ter apresentado à ‘troika’ quando representou o PSD como elo de ligação com o Governo de José Sócrates, enquanto este negociava o programa de ajustamento com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu. E mais tarde voltou a apresentar ao ministro das Finanças Vítor Gaspar.
“Tinha um outro pilar que foi ignorado pela ‘troika’ e que depois Vítor Gaspar também ignorou, era o pilar da reorientação dos incentivos fiscais e financeiros ao investimento produtivo”, lembra.
“O Governo, ao longo dos vários trimestres, perdeu a oportunidade de fazer uma recalibragem das medidas incluídas no programa”, lamenta Eduardo Catroga, lembrando que o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, disse que essa recalibragem era necessária.
“O que critico em Vítor Gaspar foi não ter tentado calibrar melhor [o programa]”, conclui o economista.
Eduardo Catroga lembra ainda outras diferenças entre o programa da ‘troika’ e o seu programa de política económica e financeira: quatro anos de ajustamento e não três; ausência de objetivos de défice público e apenas objetivos de reduções percentuais do défice; análise do setor público administrativo numa base alargada que incluísse o setor público empresarial e as parcerias público-privadas; e menor ritmo de desalavancagem do setor bancário.
Ainda assim, o economista sublinha que o programa desenhado é muito melhor que o PECIV apresentado pelo anterior primeiro-ministro, José Sócrates.
“Os mercados não iriam perdoar o embuste que representava o PECIV, portanto, a vinda da ‘troika’ seria incontornável. Era uma necessidade inadiável para evitar uma situação formal de banca rota como a que tivemos em 1891”, assegura.
Por outro lado, salienta o economista, “mesmo que não existisse o programa da ‘troika’, o tipo de políticas não teriam sido muito diferentes” e para o provar basta olhar para as políticas seguidas em Espanha, Itália e até em França.
O plano da ‘troika’ teve, aliás, “uma vantagem que por vezes não é salientada: na área das reformas estruturais (…) as medidas estavam definidas e calendarizadas. Independentemente da melhor ou pior qualidade dessas medidas foi um instrumento de pressão para que essas medidas não fossem mais uma vez adiadas”.