Guiné-Bissau/Eleições: Confusão também se deve a "ignorância de juristas portuguesas" - analista
Porto Canal com Lusa
Lisboa, 17 nov 2019 (Lusa) -- O especialista em assuntos africanos Fernando Jorge Cardoso considera que a confusão que leva a conflitos na Guiné-Bissau resulta em parte "da ignorância de juristas portugueses" que ajudaram a elaborar a Constituição, mas desconhecem a realidade do país.
"Essa confusão é um bocado responsabilidade da ignorância de juristas portugueses que ajudaram a fazer a Constituição, a ignorância da realidade de países que são diferentes de Portugal", disse o analista português, em declarações à agência Lusa.
Segundo o professor universitário, a diferença está no "nível de organização institucional, de capacidade institucional e de intervenção das instituições, que é completamente diferente daquilo que existe em Portugal, não só instituições públicas, mas da sociedade civil, dos militares, dos jornais".
Fernando Jorge Cardoso considera, por isso, que é preciso clarificar aspetos da Constituição guineense, que atualmente permite um "regime presidencialista disfarçado de semi-presidencialista", dando como exemplo o facto de o Presidente poder presidir ao Conselho de Ministros sem ser convidado pelo chefe do Governo.
A atual Constituição guineense permite ainda várias interpretações, levando a que não se saiba "quem manda de facto", considera.
"Na verdade o que está muito mais em causa aqui é uma luta de galos" que só é acontece quando regras do jogo "permitem a confusão porque não se sabe muito bem afinal de contas quem manda, se é o Governo que foi eleito ou se é o Presidente da República" e é preciso "que isso fique claro" na Constituição, defende o analista.
Atualmente, o Presidente pode, por ser o chefe das Forças Armadas pedir uma intervenção dos militares, "dissolver a assembleia porque existe um perigo qualquer" ou invocar um qualquer artigo para não aceitar os primeiros-ministros propostos", diz, considerando que foi isso que fez o atual Presidente, José Mário Vaz.
"Esta confusão em Estados frágeis tem que ser resolvida clarificando o principal instrumento escrito de poder que se chama Constituição da República e que permite estas leituras que depois têm resultados práticos complicados", considera.
Fernando Jorge Cardoso ressalvou que não está a dizer que a situação política, económica e social na Guiné-Bissau é o resultado de uma Constituição mal escrita, mas sim que "os problemas são aumentados" pelo facto de esta "permitir a confusão".
Neste sentido, o especialista em assuntos africanos defende que se o Presidente não estiver em consonância com a maioria na Assembleia Nacional é possível voltar "a ter um impasse".
A Guiné-Bissau tem eleições presidenciais marcadas para 24 de novembro, num momento de nova tensão política depois de o Presidente ter demitido o Governo liderado por Aristides Gomes, indicado pelo Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), vencedor das legislativas de março, e nomeado outro primeiro-ministro, Faustino Imbali.
Devido à pressão da comunidade internacional e da ameaça de sanções por parte da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), Faustino Imbali acabou por se demitir.
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