História da expansão portuguesa está sobrecarregada de santos e heróis - historiador

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Porto Canal com Lusa

Lisboa, 13 fev (Lusa) - A história da expansão portuguesa está sobrecarregada de descobridores, santos e heróis, defende o historiador António Manuel Hespanha, que, no seu novo livro, propõe uma visão diferente e sustentada nas vidas de portugueses comuns e seus descendentes.

"Filhos da Terra - Identidades mestiças nos confins da expansão portuguesa", que sexta-feira chega às livrarias, pretende contar sob uma perspetiva nova e até agora "largamente ignorada" uma história já conhecida.

"A história da expansão está sobrecarregada de personagens únicas e exemplares: 'descobridores', heróis, santos. O espaço deixado para os que não são isso é muito pouco. E, no entanto, estes outros são a esmagadora maioria dos que viajam, se estabelecem e vivem no ultramar a vida de todos os dias", disse o historiador em declarações à agência Lusa.

Para António Manuel Hespanha, também "os descobertos têm pouco lugar na história que se faz e se divulga", tal como as "suas perspetivas sobre a chegada dos europeus e as consequências na vida dos locais".

"Falamos muitas vezes no impacto que as viagens dos portugueses tiveram na história do mundo, mas raramente damos a palavra ao 'mundo' para falar delas. Mesmo as vozes de outros europeus sobre a expansão portuguesa estão muito pouco presentes no que contamos acerca delas", adiantou.

"Filhos da Terra" era uma expressão usada em países como Angola, Guiné-Bissau, Moçambique ou na Índia para designar as comunidades mestiças por oposição à expressão "Filhos de Lisboa".

Estas comunidades, que se encontravam fora das fronteiras formais do império português, sobretudo em África e na Ásia, surgem como "império sombra" dos portugueses, com uma "história discreta, ambígua e frequentemente menos cómoda", de acordo com a introdução da obra.

A identificação destas comunidades como portuguesas "é valorizada ou dissimulada, consoante a utilidade social que tem nos vários contextos", adianta Hespanha.

"Frequentemente, é uma identificação dada por outros, baseada em traços culturais isolados e pouco relevantes no conjunto das suas culturas -- o uso de uma peça de vestuário, a presença de uns centos de palavras nas suas loquelas, referências religiosas ao catolicismo, certas qualificações profissionais, como artilheiros, soldados mercenários, piloros práticos, médicos", apontou.

"O senso comum português, no entanto, costuma mistificá-la, apropriando-se destes 'portugueses' e fazendo deles a prova de um 'espírito português' universalista e enraizado na História", prosseguiu.

Sustentada em factos, fontes, dados e relatos da época, de portugueses, estrangeiros ou naturais, a obra propõe "uma leitura desmistificadora do senso comum", que, segundo o autor, "faz falta na maior parte das narrativas que ainda sustentam a cultura pública e que alimentam, nomeadamente, os manuais escolares".

"Filhos da Terra" pretende também desmistificar algumas das ideias sobre a colonização portuguesa, caracterizada por Hespanha como "um movimento muito violento", quer do ponto de vista físico, quer cultural, com "imposição de crenças religiosas, de modos de vida, de padrões de comportamento, de imagens sobre a hierarquia das raças".

"Por isso, também suscitou reações violentas. Sim, poderia estar de acordo com o `espírito da época´. Mas isso não lhe tira esta característica. E[...]não há muitas provas de que, quanto a esta violência física ou simbólica, os portugueses tivessem comportamentos diferentes dos outros europeus", disse.

Por outro lado, Hespanha contesta a ideia de que, neste processo colonizador, os portugueses foram os únicos agentes

"Os portugueses eram uma ínfima minoria. E aquilo que se chama de 'colonização portuguesa' é o produto da iniciativa e capacidade criadora de muita gente, maioritariamente local, que se apropriou de fragmentos da cultura do europeu para sobreviver, se acomodar, tecer estratégias entre os locais, tirar partido e também resistir à colonização", considerou.

O historiador admite que o livro possa "gerar alguma controvérsia" por estarmos "tão (mal) habituados a ouvir apenas coisas amáveis sobre a 'expansão'".

"Qualquer correção a uma imagem exemplar da história dos portugueses no mundo é logo etiquetada de masoquista, antipatriótica e dissolvente da autoestima", disse, sustentando que a história deve contar tudo "mesmo aquilo que nos custa a engolir".

CFF // PJA

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