Acordo de Moçambique com credores beneficia mais a classe política que a população
Porto Canal com Lusa
Maputo, 07 nov (Lusa) - O economista moçambicano António Francisco disse hoje à Lusa que o acordo com credores de parte das dívidas ocultas anunciado na terça-feira pelo Governo beneficia mais a classe política do que a população.
O reflexo prático do acordo "será mais mediático" e jogado no campo do "marketing político do executivo, junto dos credores e dos parceiros internacionais, em vez da vida quotidiana dos moçambicanos", referiu, em resposta a questões colocadas pela Lusa.
Moçambique "continuará a liderar os países africanos com maior proporção da dívida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), não só por causa das dívidas legalizadas, mas porque a governação continua apostada em desidratar os recursos das famílias e das empresas para reforçar o intervencionismo estatal", notou o economista e investigador do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).
O alívio da dívida será gerido com as expetativas futuras da exploração de gás, em vez de se basear em reformas fiscais e administrativas substanciais, pelo que o distanciamento dos cidadãos do intervencionismo estatal e o recurso à informalidade deverão intensificar-se, detalhou António Francisco.
O economista mostrou-se crítico, considerando que boa parte da população, políticos e sociedade civil "continuam a idolatrar o intervencionismo do Estado", acreditando por isso que "continua a existir margem suficiente para o partido Frelimo e o seu Governo continuarem a usar e abusar do crescente número de cidadãos que não se sentem representados ou respeitados pela governação ou mesmo pela oposição".
Ao nível político, António Francisco defendeu que "o partido da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e o seu Governo podem dar-se por satisfeitos pelo que conseguiram até aqui: ganharam tempo suficiente para acomodar e diluir o impacto político" do caso das dívidas ocultas, envolvendo "alguns governantes da anterior legislatura, alguns dos quais fazem parte da atual, ao mais alto nível".
As autoridades nacionais, "sobretudo o Tribunal Administrativo e o Ministério Público", agiram como "militantes bem-comportados e dignos da confiança do partido que representam", acrescentou, numa alusão ao facto de não haver apuramento de responsabilidades sobre o destino dos dois mil milhões de dólares de dívidas ocultas do Estado, contraídas ilegalmente em 2013 e 2014.
As autoridades "conseguiram resistir à indignação da opinião pública, aos protestos e exigências das organizações da sociedade civil e outras entidades internacionais para que a sociedade não assumisse o ónus da fatura".
"A mensagem que se pode inferir deste processo é que os atuais e futuros dirigentes não hesitarão em repetir a façanha, assim que outra oportunidade emerja", concluiu.
Moçambique anunciou na terça-feira um acordo preliminar com 60% do detentores de 'eurobonds', títulos da dívida pública, segundo o qual Moçambique retoma os pagamentos já em março de 2019 e entrega até 2033 uma fatia de 5% das receitas fiscais do gás natural, cuja exploração arranca em 2022.
Estes títulos representam cerca de 725 milhões de dólares do total de dois mil milhões de dólares de dívidas ocultas contraídas ilegalmente pelo Estado em 2013 e 2014 e são a única parcela sobre a qual há um acordo preliminar, sujeito ainda a diversas aprovações.
Os novos títulos terão um valor nominal de 900 milhões de dólares, com maturidade a 30 de setembro de 2033 e um cupão de 5,875%, mais baixo do que o atual (superior a 10%) e sobre o qual Moçambique entrou em incumprimento.
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