Teatro O Bando estreia "Netos de Gungunhana" para criar memória sobre o colonialismo

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Porto Canal com Lusa

Lisboa, 14 out (Lusa) -- A história de Imani, uma moçambicana de 15 anos, é o elemento dominante da peça "Netos de Gungunhana", baseada nos últimos três romances de Mia Couto, que a companhia O Bando estreia dia 25, no Teatro S. Luiz, Lisboa.

"A família de Imani é 'muito paradigmática' daquilo que queremos dizer com esta peça", sublinhou o encenador e diretor de O Bando, João Brites, à margem de um primeiro ensaio de imprensa da obra que está a trabalhar na sede da companhia, em Vale de Barris, em Palmela, destacando que, com a obra, quer "criar memória" nos espetadores, sobre Gungunhana, a sua importância, e sobre o colonialismo.

Imani é filha de chopes, povo do sul de Moçambique que vive tradicionalmente da agricultura, em distritos da província de Inhambane, e que também foi colonizado por Gungunhana, de etnia zulu.

Imani tem dois irmãos: um que foi educado em missões católicas portuguesas, e que se diz soldado português, e outro que cumpriu rituais ancestrais de iniciação do povo zulu.

Quanto Imani, aos 15 anos é deportada de Moçambique para Portugal, em 1896, grávida do soldado português Germano que se apaixonara por ela.

Esta criança, que aprende muitas línguas e que acaba por se tornar numa "tradutora dividida entre vários mundos, mas que também faz a ponte para as pessoas se compreenderem", funciona, segundo João Brites, como o "ancoradouro" da peça baseada na trilogia do escritor moçambicano Mia Couto sobre o imperador moçambicano Gungunhana.

"Mulheres de cinzas", "A espada e a zagaia" e "O bebedor de horizontes" são os três romances da trilogia de Mia Couto intitulada "As areias do imperador", dedicada pelo escritor moçambicano a Gungunhana, que ficou na história como o último monarca do império de Gaza e da dinastia Jamine (1884-1895), preso por Mouzinho de Albuquerque, em 1895, e condenado ao exílio em Angra do Heroísmo, onde morreu em 1906.

A peça, porém, "não é, nem nunca pretendeu ser", segundo João Brites, "uma reconstituição histórica" de Gungunhana.

O que se pretende com o espetáculo, explicou, é "traçar a transição entre as pessoas que estão na sala e os 'Netos de Gungunhana'", netos esses que "vêm das suas zonas, dos seus sítios, dos seus países, com as memórias que tiveram dos avós", e que surgem em palco por terem sido convidados a participar numa conferência internacional sobre Gungunhana.

O encenador disse ter construído o espetáculo como "uma aproximação a uma espécie de mito grego".

Os mitos gregos "têm sempre muitas histórias paralelas, muitos nomes, muitos episódios, muita coisa difícil às vezes de entender", disse João Brites, referindo-se às muitas vozes e situações que se cruzam em palco.

Além do mais, este espetáculo "é uma conjugação da escrita de Mia Couto, que se presta [a essa multiplicação de situações] por estar cheia de histórias e de pequenos episódios, todos eles deliciosos", frisou.

O que interessou ao diretor de O Bando é, nas suas palavras, "um olhar, uma perspetiva sobre o mundo de hoje através da abordagem de uma personagem mítica, que foi poderoso, que foi imperador", observou, e sobre o qual, provavelmente, os portugueses nunca se aperceberam da importância que teve, porque se "acha que, como era em África, não tinha importância".

"Mas não, realmente tinha um território enorme, tinha um exército brutal, ele queria ter uma mulher por cada dia do ano, para simbolicamente dominar o mundo. E depois é tratado pelos portugueses daquela maneira que sabemos", disse João Brites, numa alusão à prisão de Gungunhana e posterior deportação para os Açores.

Por isso, outro dos objetivos de João Brites com esta peça "é criar memória nos espetadores".

"Que [Gungunhana] fique como um enigma, como as histórias que se contam às crianças em que fica sempre uma coisinha, em que se diz conta lá outra vez, porque fica sempre uma coisa que não se percebe bem. O que cria essa continuidade na memória é precisamente esse algo que não fica resolvido, porque as coisas resolvidas têm tendência a esquecer-se", enfatizou.

O espetáculo fala de colonialismo "sem nunca se mencionar a palavra colonial", "à semelhança do que acontece com a obra de Mia Couto", afirmou João Brites.

Esta criação de O Bando, juntamente com o Teatro do Instante (Brasil) e com a Fundação Fernando Leite Couto (Moçambique), é uma coprodução do S. Luiz Teatro Municipal e conta com o apoio do Instituto Camões e do Fundo para o Desenvolvimento Artístico e Cultural (FUNDAC), de Moçambique.

A peça fica em cena no S. Luiz, de 25 de outubro a 11 de novembro, com espetáculos de quarta-feira a sábado, às 21:00, e, aos domingos, às 17:30.

Em janeiro de 2019 estará em cena em Brasília, e, um mês depois, em Maputo.

No Brasil e em Moçambique, o espetáculo contará com dois atores de O Bando e será dirigido por elementos das companhias locais associadas.

Durante 15 dias, O Bando disponibiliza dois atores para trabalharem em cada país, cabendo à companhia com sede em Palmela suportar os custos das viagens, disse o diretor de O Bando.

Uma das particularidades desta peça é que tanto no Brasil como em Moçambique, a peça que subir aos palcos pode ser diferente da que estará em cena no S. Luiz, dado que cada encenador a fará à sua maneira, explicou João Brites.

Este projeto, que nasceu da vontade de João Brites em trabalhar com pessoas com quem já trabalhara em cursos de formação em O Bando, como os atores moçambicanos Bruno Huca e Sufaida Moyane.

Com texto de Mia Couto, "Netos de Gungunhana" tem dramaturgia, encenação e cenografia de João Brites, música e direção musical de Jorge Salgueiro, corporalidade de Giselle Rodrigues.

Os figurinos e adereços são de Clara Bento e as interpretações, em Lisboa, são de Alice Stefânia, Bruno Huca, Diego Borges, Fernando Santana, Raul Atalaia, Rita Couto, Sufaida Moyane, Suzana Branco e Té Macedo.

O espetáculo tem ainda participação especial de Alesa Herrero e Zora Ma.

A peça "Netos de Gungunhana" começou da vontade de todos os intervenientes trabalharem uns com os outros, em termos de afinidade estética e de uso de um determinado vocabulário, e acabou por encontrar na escrita de Mia Couto "o aglutinador do que queriam construir juntos", sublinhou Giselle Rodrigues.

CP // MAG

Lusa/fim

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