Hotelaria lamenta "alarmismo" com "bandidagem" no norte de Moçambique

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Porto Canal com Lusa

Palma, Moçambique, 22 jun (Lusa) - O título que correu mundo sobre 10 decapitações feitas por grupos de alegada inspiração islâmica no norte de Moçambique promoveu um "alarmismo" que não corresponde à realidade, segundo os empresário da região.

"As mortes são reais e isso leva-nos a estar com temor, mas não com alarmismo", porque há criminalidade, mas não extremismo islâmico, defende o empresário espanhol Benjamim Ojeda, gerente hoteleiro em Palma.

No entanto, embaixadas de Portugal, Estados Unidos e Reino Unido já emitiram avisos em que desaconselham as viagens e permanência na província de Cabo Delgado.

Benjamim considera que o imaginário do mundo ocidental, ainda chocado com propaganda terrorista da ISIS ou Al-Qaida, foi levado pelo verbo "decapitar" a crer numa ameaça que está por se provar que exista no norte de Moçambique.

Tem havido decapitações - embora abaixo dos números das autoridades -, mas fruto de crimes, sem sinais de rituais como os de sacrifícios difundidos nos últimos anos na Internet, argumenta Benjamim.

A 20 minutos de Palma, já designada de futura cidade do gás, centenas de homens e máquinas constroem uma nova vila na península de Afungi para acolher a população de aldeias isoladas que vão desaparecer do mapa.

Ali vai nascer uma fábrica de liquefação de gás natural, um megaprojeto que promete mudar Moçambique.

Os trabalhos avançam numa vasta extensão de terreno, onde há valas e alicerces que nascem, por um lado, estaleiros com dezenas de pavilhões e casas-contentores alinhados, por outro.

A petrolífera norte-americana Anadarko, principal empresa do consórcio investidor, contactada pela Lusa, prefere não comentar a onda de violência nas aldeias remotas, a dezenas de quilómetros do perímetro do investimento.

Desde 2014, várias unidades de hotelaria e restauração abriram em Palma, a pensar unicamente na chegada de centenas de pessoas ligadas aos novos projetos das empresas petrolíferas.

Os dois primeiros anos correram bem, mas 2016 e 2017 foram "duros", diz Benjamim, uma desilusão devida ao adiamento dos investimentos por questões de mercado.

Agora, numa altura em que as obras avançam de vez, "encontramos este fator inesperado", que está a afastar empreendedores, consultores e até "empresas subcontratadas" pelas grandes firmas.

"Mortes ou assaltos por bandidagem em aldeias remotas são contínuos em qualquer lugar de África, são comuns na Tanzânia, na África do Sul ou no Maláui", relativiza Benjamim, há sete anos em Moçambique, depois de ter feito carreira jornalística em Espanha, antes de se virar para o mundo da hotelaria.

Baseado em relatos de alguns dos seus trabalhadores, residentes em zonas afetadas, refere que têm acontecido "ataques esporádicos, pontuais, em aldeias afastadas e sobretudo baseados em vinganças", negócios locais e assuntos da religião muçulmana.

Casos que "ainda ninguém conseguiu entender bem". Associados aos ataques tem havido saque das aldeias e quem resistiu ou tentou ripostar morreu, acrescenta, com base nos mesmos relatos.

Em Monjane, uma das aldeias onde teria havido cinco das 10 decapitações iniciais admitidas pelas autoridades, houve apenas uma, nota Benjamim, facto referido também pelos residentes à Lusa numa visita à povoação - embora novas decapitações tenham sido relatadas, em ataques subsequentes, noutras aldeias.

Independentemente da forma, são crimes ocorridos sempre no meio do mato - com exceção do ataque inicial à polícia de Mocímboa da Praia em outubro de 2017 -, pelo que Benjamim considera que a intimidação está direcionada para dentro das comunidades e não para o Governo ou petrolíferas.

"Dez pessoas serem mortas com catanas é um drama, estamos cá para os apoiar, até porque alguns são de famílias dos nossos trabalhadores, mas não é motivo de notícia que paralise o turismo e viagens de negócios. Então devíamos deixar de viajar para o Quénia, Tanzânia, África do Sul ou México e isso não esta a acontecer", sublinha.

Uma delegação de 16 pessoas da Universidade de Columbia, Nova Iorque, ia a Palma por duas semanas, em agosto, mas "cancelaram um dia depois do alerta no site do Departamento de Estado dos EUA. Já tínhamos fatura proforma, transferências", tudo tratado.

Os ataques têm acontecido na zona norte e centro de Cabo Delgado, mas os efeitos já chegam à capital provincial, a sul, e às ilhas Quirimbas, a nascente.

Jaqueline Alfredo, operadora turística em Pemba, capital da província de Cabo Delgado, tem mãe moçambicana e pai queniano, e naquele país já acompanhou, em 2013, situações de terrorismo praticado pelo movimento Al-Shabaab da Somália.

"Meu pai estava no terreno e consegui fugir, eu estava perto" e havia uma mensagem, "assinatura" e reivindicação dos ataques, uma maneira de atuar diferente da criminalidade no norte de Moçambique.

"Já li que são um grupo 'jihadista', mas acho que os media estão a dar muito crédito a esta bandidagem. Al-Shabaab 'wannabes', talvez", refere, usando uma expressão inglesa para minimizar a ameaça.

Jaqueline fala à Lusa na ilha do Ibo, arquipélago das Quirimbas, cenário natural candidatado a reserva da biosfera da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), atração para um turismo de nicho, mas também o refúgio natural para quem foge do continente.

Depois de duas aldeias terem sido incendiadas no início do mês pelos supostos grupos islâmicos, pelo menos 1600 residentes fugiram de barco e procuraram abrigo em casa de família e amigos na ilha do Ibo.

Algumas organizações abandonaram o arquipélago como medida de segurança, mas Jorg Salzer, alemão, proprietário de uma casa de hóspedes na ilha, sorri quando lhe perguntam pela confusão.

"Nem caos, nem confusão", garante, porque todos os deslocados encontraram um sítio onde ficar, apesar das limitações das habitações - um dos seus trabalhadores, por exemplo, passou a acolher 34 pessoas, instaladas numa casa precária e numa tenda.

Há oito anos na ilha do Ibo, Jorg não se recorda de tamanha instabilidade na região de Cabo Delgado.

Apesar de se passar longe da ilha, cujas ruas continuam serenas, a situação tem levado ao cancelamento de reservas - uma queixa comum aos empresários do ramo ouvidos pela Lusa na ilha, se queixam de um alarmismo exagerado.

"Temos de lidar com isto de forma positiva", refere Fernando Moreira, português, há 16 anos em Moçambique, diretor de uma das unidades hoteleiras de Palma: "não podemos fazer um drama de uma coisa que pode ser passageira, fácil de controlar".

Compreende que haja "preocupação", porque falta "informação clara", mas acredita que o futuro de Cabo Delgado e dos megaprojetos de gás não está comprometido.

"Isto é uma questão de tempo e temos que olhar para as coisas numa perspetiva positiva", diz Eugénio Farahane, gerente de outro hotel construído a pensar nos novos negócios a implantar na região.

"Estamos confiantes, senão, não estávamos cá", conclui.

LFO // PJA

Lusa/fim

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