Espetáculo sobre imigrantes portugueses em Great Yarmouth estreia-se hoje em Portugal

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Porto Canal com Lusa

Porto, 15 jun (Lusa) -- O espetáculo "Provisional Figures. Great Yarmouth", que hoje se apresenta no Teatro Rivoli, no Porto, em estreia nacional, parte das experiências pessoais de imigrantes portugueses e locais de Great Yarmouth, na costa Este de Inglaterra.

De Great Yarmouth, pequena vila com cerca de 40 mil habitantes, saíram os intérpretes lusófonos Ana Moreira, Maria do Carmo Ferreira, Pedro Cassimo e Sérgio Cardoso de Pinho, da comunidade portuguesa, juntando-se ao esloveno Ivan Ammon e aos ingleses Peter Dewar, Richard Raymond, Robert Elliot e Victoria River, compondo o elenco da obra de Marco Martins, que começou numa ideia original de Renzo Barsotti.

A equipa propôs-se retratar a atualidade política e a dinâmica pessoal e comunitária daquela comunidade, bastante numerosa naquela zona da costa leste, o que foi possível através do trabalho com os portugueses da fábrica Bernard Mathews, onde se transformam perus em produtos para consumo doméstico. O título, "Provisional figures", remete para a designação estatística de imigrantes, em situação indefinida ou provisória, no Reino Unido.

"É totalmente diferente apresentar esta peça no contexto inglês e no português, até porque em Inglaterra, no Festival de Norfolk e Norwich, aconteceu num teatro em Great Yarmouth", explicou à Lusa o realizador e encenador, que reforça ainda o "contexto muito particular" para o público português do projeto que iniciou há quase dois anos.

Depois da crise de 2008, a migração portuguesa que respondeu ao aumento do desemprego levou a um fluxo migratório "diferente do [feito para] França, nos anos 1970 e 1980", sendo que em Portugal se "romantiza" o que é "desconhecido em absoluto sobre este tipo de situações".

Assim, se em Inglaterra foi "muito mais um espetáculo como reflexão dentro da própria comunidade", em Portugal haverá a possibilidade de "uma reflexão mais abrangente" e a oportunidade de ultrapassar "um certo cliché e desconhecimento das condições de trabalho neste tipo de locais".

"Para o público português, esta é uma peça muito violenta, por causa desta realidade de grande dureza, e que é desconhecida", completou.

O regresso dos portugueses ao país de origem, para a representação da peça, causou-lhes "uma comoção muito grande", disse Marco Martins à Lusa.

"É um alívio chegar cá", saindo de um local "muito árido e que é um pouco como o fim do mundo", onde estão inseridos numa comunidade, Great Yarmouth, onde 71,5% das pessoas votaram para sair da União Europeia no referendo do 'Brexit'.

Com um equilíbrio entre os trabalhadores portugueses, numa fábrica de transformação animal, e habitantes locais ingleses, a construção do espetáculo assentou em "encontrar os pontos comuns e pontos de rutura", depois de várias entrevistas e outros processos.

"Numa conversa com [o escritor] Gonçalo M. Tavares, que me deu ajuda dramática no projeto e escreveu o programa, começámos a ideia de se falar sobre todas estas questões, não a partir do racional, mas do animal", revelou Marco Martins.

Confrontando a realidade "muito violenta" do trabalho naquele tipo de indústria com "a falta de perceção total" de alguns ingleses sobre o que faziam os portugueses, "Provisional Figures" aborda depois as vidas pessoais de cada um e os dilemas e dramas que enfrentam, como a falta de descanso ou as lesões que sofrem.

"Todos estes trabalhadores no espetáculo sofreram lesões, algumas gravíssimas, de ancas deslocadas a ombros com ossos sobrepostos, lesões de grande esforço. Depois há tempos de paragem muito curtos para um trabalho duro, e condições de descanso muito más. (...) Estas pessoas têm um tempo de descanso muito reduzido, entre preocupações com a vida e filhos, e há quem durma, em média, só três horas" por dia, contou.

Além da construção dramatúrgica, também foram adicionados "alguns textos literários, de Elizabeth Costello ou Mark Twain", entre outros nomes, e a cenografia reflete "um dispositivo de 'passerelle' de moda, em que desfilam como se fossem modelos, colocando os dois lados em confronto" e criando um conflito "de um público face a outro público", de cada lado da passagem.

Aliado a um trabalho sobre o corpo e o movimento, com a inclusão de "alguns movimentos coreográficos do nosso lado mais animal, e outros que remetem para elementos humanos", está também a dicotomia homem-máquina.

Olha-se para um trabalho "muito repetitivo a nível manual que se assemelha ao movimento das máquinas", e que se repete uma vida inteira, ou ainda para a associação de trabalho manual, "a falta de habilidade intelectual, uma coisa totalmente errada".

No novo fluxo migratório provocado pela crise de 2008, a saída começou "por pessoas que já tinham passado a meia idade, porque não tinham trabalho, e estão agora, há dez anos ou quase a trabalhar em Inglaterra, já estão à procura da reforma inglesa".

Em maio, uma das intérpretes, Maria do Carmo Ferreira, lembrou à Lusa, em reportagem em Great Yarmouth, o choque que sentiu ao entrar na unidade industrial pela primeira vez, e ver que o trabalho consistia em desmanchar os animais acabados de abater, repulsa que levou muitos "homens grandes a chorar" e a desistir.

Outra das protagonistas, Victoria River, admitiu que a peça acaba por mostrar "a forma como o mundo mudou e Great Yarmouth mudou desde quando era pequena até agora", enquanto a cabo-verdiana Ana Moreira, que testemunhou ataques racistas, espera que o espetáculo mude mentalidades na cidade.

"Somos estrangeiros, mas também podemos juntar-nos e unir-nos com os ingleses e fazer coisas bonitas como é este teatro, que vai ser bonito para a cidade", reivindica.

A peça estreia-se hoje, em Portugal, pelas 21:30, sendo reposta no sábado, pelas 19:00, antes de rumar a Lisboa, de 28 de junho a 04 de julho, onde vai estar em cena no Teatro Maria Matos, integrada no ciclo Migrações.

SIYF (BM) // MAG

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