Reforma é passo necessário para ONU enquanto grande fórum do multilateralismo - analistas

| Política
Porto Canal com Lusa

Lisboa, 22 abr (Lusa) -- A ONU terá necessariamente de assumir reformas, em face do regresso das "relações de força" entre Estados, dos revivalismos de uma época de muros e de um "leão burocrático" ainda por domar, sustentam vários analistas ouvidos pela Lusa.

A análise é de três figuras que assumiram várias funções ao longo das últimas décadas na Organização das Nações Unidas (ONU): o economista e sociólogo Carlos Lopes, o diplomata António Monteiro e o consultor Vítor Ângelo. Em declarações à Lusa, feitas antes dos recentes desenvolvimentos na Síria, os três traçaram as linhas do atual mapa geopolítico e identificaram os reptos que enfrenta a organização liderada desde janeiro de 2017 pelo ex-primeiro-ministro português António Guterres.

Com um percurso de mais de 30 anos na ONU, Vítor Ângelo identifica no atual cenário um regresso "às relações de força" e "às velhas políticas do passado", algo que se começou a materializar depois da crise na Líbia em 2011.

"Quando [o Conselho de Segurança da ONU] aprovou a resolução da Líbia ainda estava unido, mas depois quando se deu a intervenção ocidental na Líbia verificou-se que o Conselho de Segurança se fraturou", diz o antigo sub-secretário-geral da ONU, frisando que atualmente "em vez de se encontrar uma forma de acordo nas instâncias internacionais, cada grande potência procura desempenhar um papel preponderante".

Vítor Ângelo, que hoje é consultor nos domínios da segurança, defesa e resolução de conflitos, acredita que a diplomacia tem de voltar a desempenhar um papel no centro da cena internacional.

"Por isso é preciso reforçar novamente o papel das Nações Unidas", defende, realçando também a importância da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) "que está neste momento meio adormecida", mas que pode desempenhar um papel muito importante no diálogo, por exemplo, entre a Europa Ocidental e a Rússia.

Voltando à ONU, Vítor Ângelo foca atenções no Conselho de Segurança e na necessidade deste órgão de decisão máxima funcionar corretamente.

"Uma das grandes prioridades é de facto o reforço do papel do Conselho de Segurança e além disso a reafirmação constante e permanente dos princípios e da Lei Internacional", salienta o especialista, acrescentando que sobretudo os "grandes Estados-membros" devem ser lembrados que existem convenções e leis que foram aprovadas como leis da ordem internacional e que estas devem ser respeitadas.

Outro passo fundamental para a ONU, segundo o consultor, é evitar a sua marginalização e que fique "completamente isolada, enquanto organização, no que diz respeito aos grandes conflitos".

"É fundamental evitar o enfraquecimento de todo o sistema internacional que foi criado ao longo dos últimos 70 anos e que na realidade é o único instrumento que temos para que a paz, a segurança e o diálogo internacionais tenham lugar", afirma.

O antigo secretário-geral adjunto da ONU Carlos Lopes prefere usar a palavra "disrupção" quando observa o atual panorama.

Na sua análise, o mundo encara hoje "grandes disrupções" provocadas por desenvolvimentos, em parte associados às tecnologias, que estão a introduzir sistemas de inovação "que muitas vezes não estão ainda regulados" em áreas tão abrangentes como o armamento, a economia e até nos 'media'.

As organizações internacionais, a ONU mas não só, "não estão habituadas (...) e estão de facto atrasadas" neste processo e "precisam de renovar os seus mandatos para mandatos muito mais ambiciosos e muito mais adaptados às exigências dos debates do amanhã", diz o guineense, que atualmente integra três comissões globais dedicadas à nova economia e o clima, ao futuro do trabalho e à geoestratégica na energia.

"Mas não é fácil", até porque a organização tem "uma burocracia que não evolui". Enquanto "não se domar o leão burocrático lá dentro não se pode ter ambições", explicou.

Sobre António Guterres, o economista diz que o secretário-geral "está a tentar o (seu) melhor", mas salienta que o alto representante "apanhou logo na esquina" a eleição de Donald Trump "que não faz segredo de ser pouco simpático em relação ao multilateralismo".

Carlos Lopes lembra que o Presidente dos Estados Unidos nomeou recentemente John Bolton como conselheiro de Segurança Nacional, alguém que "tem a famosa frase que se tirassem dez andares ao edifício das Nações Unidas ninguém sentiria nenhuma falta".

O embaixador António Monteiro, que em 1997 assumia o cargo de representante permanente de Portugal junto da ONU, afirma que continua a acreditar que "as Nações Unidas são uma peça essencial de equilíbrio planetário", realçando que o atual tabuleiro geopolítico reflete uma "evolução da ordem mundial".

Uma evolução, marcada pela globalização e pela tecnologia segundo realça o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros português, que colocou setores anteriormente reservados aos mais poderosos à mão de vários países de dimensão média, muitos deles também fortalecidos com a integração em fóruns regionais.

"Pertencer às Nações Unidas é uma espécie de legitimação", disse o diplomata, salientando que "o grande fórum" de multilateralismo que é a ONU não tem substitutos e, apesar de parecer que não consegue resolver conflitos que persistem ao fim de tantos anos e de "assombros de regresso" a nacionalismos e a atitudes unilaterais, a organização tem tido "um papel notável em várias áreas", nomeadamente na prevenção de conflitos, no desenvolvimento sustentado e progresso social e na defesa dos direitos humanos.

O diplomata reconhece que a ONU tem de prosseguir com o caminho das reformas, "que já começou a apreender, inclusive com o atual secretário-geral", relembrando, no entanto, que uma das reformas mais mencionadas é a do Conselho de Segurança, que tem sido "adiada sucessivamente".

O diplomata lembra ainda a existência de diversas questões (sociais, ambientais, migrações, igualdade de género) que são partilhadas por todos e que "têm obrigatoriamente de passar por um entendimento a nível global".

"Tenho a minha fé que as Nações Unidas vão continuar o palco central destas discussões. (...) Não são muros que resolvem as questões", finalizou.

Em fevereiro último, durante uma reunião de alto nível do Conselho de Segurança, Guterres e o seu antecessor, Ban Ki-moon, admitiram a necessidade de mudanças, embora respeitando a atualidade dos princípios da Carta das Nações Unidas, assinada em junho de 1945

As reformas previstas, incluindo nas áreas da paz e segurança, desenvolvimento e gestão, apenas "pretendem tornar [a organização] mais eficiente no cumprimento da visão da Carta", disse na ocasião Guterres. Por seu turno, o seu antecessor insistiu na reforma do Conselho de Segurança, que "há muito tempo que devia ter acontecido".

SCA // PJA

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