História de Fátima em Wiltz é anterior aos portugueses
Porto Canal com Lusa
Luxemburgo, 22 mai (Lusa) - A peregrinação a Fátima de Wiltz, no Luxemburgo, atrai anualmente 20 mil portugueses, mas poucos sabem que o santuário foi construído por luxemburgueses, cumprindo uma promessa feita na Segunda Guerra Mundial, muito antes da chegada dos primeiros imigrantes.
De acordo com os historiadores Sonja Kmec e Michel Margue, coordenadores do livro "Lugares de memória no Luxemburgo" - uma antologia dos monumentos nacionais -, o santuário "é primeiro um lugar de memória para as vítimas da Segunda Guerra Mundial", convertendo-se a partir do final dos anos 1960 em "local de socialização dos portugueses" no país.
Na origem do monumento dedicado a Fátima, em Wiltz, está um voto feito por uma dezena de luxemburgueses em 13 de janeiro de 1945, numa altura em que a localidade do Norte do Luxemburgo estava ameaçada.
Wiltz, que ficaria conhecido como "cidade-mártir", por causa das dezenas de mortos e deportados durante a ocupação alemã, fica a vinte quilómetros de Bastogne, na Bélgica, epicentro da batalha das Ardenas, e a localidade estava na iminência de ser evacuada.
Uma dezena de luxemburgueses refugiados na cave do presbitério decidiu então fazer a promessa de construir um santuário dedicado a Fátima - já então popular na Europa, 28 anos após as "aparições" na Cova da Iria, em 1917 - se a localidade fosse salva.
A promessa foi feita por escrito no registo de batismo e assinada pelo padre da paróquia, Prosper Colling (falecido em 1968), e pelos refugiados na casa paroquial.
No documento, conservado nos arquivos da Arquidiocese do Luxemburgo, prometia-se "construir [na colina] de Baessent uma 'via crucis' dedicada ao Sagrado Coração de Jesus e a Nossa Senhora de Fátima", em sinal de "confiança na ajuda" desta aos habitantes e "em memória do enorme sacrifício de tantas famílias" durante a guerra.
A localidade não chegou a ser evacuada e uma semana depois, a 20 de janeiro de 1945, os alemães bateram em retirada.
Em 11 de setembro de 1947, a imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima - uma réplica da estátua que está na Cova da Iria - passou por Wiltz, no local onde o santuário viria a ser construído, relançando os planos de edificar um santuário mariano, que ficaria concluído em 1952.
Com a chegada dos primeiros portugueses ao país, em 1968 iniciou-se uma peregrinação ao santuário na Quinta-feira da Ascensão, feriado no Grão-Ducado, contando com o apoio da associação Amizade Portugal-Luxemburgo e da paróquia da localidade.
A data foi escolhida pelos organizadores da peregrinação "por causa da proximidade com o 13 de maio", apontam os historiadores luxemburgueses, "e o dia da Ascensão converteu-se rapidamente no dia de festa dos portugueses no Luxemburgo".
Os historiadores consideram a peregrinação anual a Fátima de Wiltz "o exemplo mais emblemático da presença portuguesa" no Grão-Ducado, reunindo várias gerações de emigrantes numa festa popular.
"Enquanto nos primeiros tempos [Fátima] assegurava a ligação entre o 'aqui' e o 'lá em baixo'", representando "a proteção do emigrante" e "a garantia do seu sucesso", nos últimos anos a peregrinação "assume uma imagem progressivamente mais abstrata", de "expressão da cultura portuguesa", apontam.
Este ano, Marcelo Rebelo de Sousa participará a título privado na 50.ª peregrinação ao santuário, acompanhado pelos Grão-duques, a 25 de maio, após a da visita de Estado que fará ao Luxemburgo a 23 e 24 deste mês.
A imagem peregrina de Fátima também vai estar em Wiltz para assinalar o centenário das "aparições" na Cova da Iria, 70 anos depois da primeira vinda da estátua ao Luxemburgo, em 1947.
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