Relação anula acórdão que condena arguidos por crime de que não estavam acusados
Porto Canal / Agências
Lisboa, 04 nov (Lusa) - O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) anulou um acórdão que condenou dois homens e uma mulher por casamento por conveniência, crime pelo qual os arguidos não estavam acusados ou pronunciados, num processo de auxílio à imigração ilegal.
Os dois homens, um deles advogado, foram condenados em julho por um coletivo de juízes da 5ª. Vara Criminal de Lisboa, presidido por Francisco Henriques, a oito anos de prisão por associação criminosa, dezenas de crimes de auxílio à imigração ilegal, falsificação de documento e casamento por conveniência, enquanto a mulher ficou com pena suspensa de dois anos, pelo mesmo tipo de ilícitos.
Segundo o acórdão do TRL, a que a agência Lusa teve hoje acesso, os três arguidos "não estavam acusados nem pronunciados" pelo crime de casamento por conveniência, além de terem sido condenados "por mais crimes" do que aqueles que estavam a ser julgados, não tendo o tribunal de primeira instância proferido "uma única palavra de justificação" nem "comunicado qualquer alteração dos factos".
Na sequência do recurso interposto pelos advogados dos arguidos e do próprio Ministério Público, o TRL determinou a devolução do acórdão ao mesmo coletivo de juízes "para integral sanação das nulidades e dos vícios, reabrindo, se disso for caso, a audiência", e deixou um aviso.
"Mais do que uma questão legal, a ética impõe-se que não se agrave a situação processual dos arguidos detidos que, condenados a oito anos de prisão num cúmulo jurídico que inclui, pelo menos uma pena indevida, podem vir a ser prejudicados pela sujeição a uma medida de coação de prisão preventiva que pode vir a ter uma duração superior à prisão a cumprir".
O TRL sustenta que "o número de crimes pelos quais os arguidos foram pronunciados e condenados diverge".
A título de exemplo, os dois principais arguidos estavam pronunciados por 34 crimes de falsificação consumada e foram condenados por 42 e 50, cada um. A arguida respondia por dois crimes de auxílio, mas acabou condenada por três.
Outra das nulidades apresentada pelo TRL é o facto de o coletivo de juízes ter condenado os arguidos por crimes consumados quando estes estavam a ser julgados por crimes na forma tentada e em coautoria.
"Os arguidos foram pronunciados em coautorias diversas, relativas a grupos de crimes, mas foram condenados em autorias paralelas, sem que se tenha explicado o motivo ou procedido a qualquer comunicação de alteração não substancial", explica a Relação.
No que diz respeito às declarações para memória futura feitas por diversos arguidos o acórdão do TRL considera que são "absolutamente vazias de conteúdo".
Durante as buscas foi "encontrada documentação" em nome de vários estrangeiros, mas Tribunal da Relação de Lisboa sustenta que "se desconhece qual o teor dos documentos aos quais a decisão se refere e que factos se consideraram provados a partir dessa análise".
O TRL considera o acórdão da primeira instância totalmente nulo por "falta de fundamentação de facto e de direito, por ter condenado os arguidos por factos diversos dos descritos na pronúncia e por omissão de pronúncia".
Alem disso, declara que o acórdão da 5.ª Vara Criminal padece dos vícios de "insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão", além de conter "erro notório na apreciação de prova".
Outros dois arguidos da alegada rede criminosa que terá legalizado, de forma fraudulenta, mais de meia centena de cidadãos de países africanos, foram também condenados pelas Varas Criminais a penas suspensas de cinco e três anos.
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