"Geringonça" deu mais democracia e precisa de programa a prazo - André Freire
Porto Canal com Lusa
Lisboa, 05 fev (Lusa) - O Governo da 'geringonça' trouxe mais democracia ao sistema político e, defende o sociólogo André Freire, ganhará "mais cimento" se PS, PCP, BE acordarem um programa a prazo assente no combate às desigualdades e na "redemocratização".
Essa é uma das teses defendida pelo professor universitário no livro "Para lá da 'Geringonça' -- O governo de esquerdas em Portugal e na Europa" (Ed. Contraponto) em que conclui que uma das consequências deste acordo é o PS estar ser "contaminado, no bom sentido, pela esquerda".
Em entrevista à agência Lusa, André Freire afirmou que o Governo da "geringonça" - nome de que não gosta mas que admite é mais intuitivo e imediato - deu expressão a 10% a 18% de eleitores da chamada esquerda radical que, durante anos, não se sentiram representados no governo.
"Se o governo de esquerdas correr bem, é uma mudança muitíssimo importante. Desde logo porque o sistema fica muito mais inclusivo e mais democrático", acrescentou, afirmando que o sistema político tem, agora, "mais possibilidades de alianças".
Sendo o PS, até pela política de alianças, à direita, nos últimos 40 anos, um dos partidos socialistas mais centristas na Europa, esta experiência liderada pelo PS e por António Costa está a contaminar os socialistas de esquerda e pode torná-los "mais eurocéticos".
"Há uma dose de euroceticismo que é boa para o PS e até o ajuda a fazer pressão sobre a Europa, num contexto de enorme incerteza", afirmou.
E é no terreno europeu, reconhece, em que pode ser mais difícil um entendimento entre os partidos que apoiam o Governo numa plataforma futura, embora o politólogo admita "um pragmatismo" da parte dos parceiros.
Idealmente, o melhor seria as esquerdas entenderem-se nas autárquicas de 2017 para as câmaras dos grandes centros urbanos, onde há um grande equilíbrio entre direita e esquerda.
Assim, o "pacto de não-agressão" entre as esquerdas será um "grande teste" nas autárquicas deste ano.
E porque, como escreve no livro, os resultados da governação contam, "o combate às desigualdades socioeconómicas através da política fiscal é um elemento muito importante" para a definição da plataforma.
Depois, afirma ainda, "é preciso pensar um programa a longo prazo de redemocratização do sistema político e das instituições do Estado".
"Fala-se nas escolas e nas universidades... A democracia que existia nas instituições ficou como corporações, a mimetizar as empresas", disse.
O porquê da chegada tão tarde a Portugal uma solução governativa de esquerda que existiu noutros países europeus como França ou Finlândia é analisada por André Freire.
São apresentadas várias razões, desde a "deriva revolucionária" do PCP após o 25 de Abril, ao facto de o PS ser "bastante centrista", à divisão sindical em duas centrais, mas também porque as esquerdas, desde 1975, não se entenderam para governar câmaras em coligação.
E André Freire pensa que o líder histórico dos comunistas Álvaro Cunhal (1913-2005) tomaria a mesma opção de Jerónimo de Sousa se estivesse à frente do PCP.
"O dr. Cunhal teria o mesmo pragmatismo do que os líderes do PCP e do Bloco neste contexto", até porque, ao longo dos anos desde 1974, tentou várias aproximações ao PS.
Além do mais, anota que, segundo sondagens e estudos, os eleitores dos partidos de esquerda "têm sido maioritariamente favoráveis a entendimentos" à esquerda, mais do que as elites desses partidos.
O livro "Para lá da 'Geringonça' -- O governo de esquerdas em Portugal e na Europa" será apresentado na próxima semana, em Lisboa.
André Freire é sociólogo, diretor do doutoramento em Ciência Política do ISCTE, coautor dos estudos sobre os comportamentos eleitorais dos portugueses, apoiou o Compromisso à esquerda, em 2009, e participou nas primárias para deputados do Livre/Tempo de Avançar em 2011.
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